Dor, insônia, perda de peso, olho roxo e cicatrizes nas costa. Todas estas podem ser citadas como seqüelas físicas de um instante de pânico que marcará para sempre a vida de Renner França de Araújo, 32 anos, a vendedora do bairro Jorge Lavocat que na penúltima terça-feira, dia 9, foi espancada na sua própria sorveteria por um agressor que se auto-intitulou apenas de ‘Mozar’. Contudo, nenhuma destas marcas visíveis jamais superará as conseqüências psicológicas da bruta e ousada violência que emerge nas periferias da Capital. Aquelas que ficam na memória e nem o tempo é capaz de apagar.
Segundo Renner França, o episódio foi tão traumático que até agora a sua cabeça ainda não conseguiu processar direito tudo o que aconteceu. Há 12 dias, ela era só uma mulher que tinha lá suas preocupações, mas levava uma vida boa e sossegada. Hoje, trata-se de uma pessoa tomada pelo medo. Alguém que não pode nem olhar direito para os lados sem que a figura do cruel algoz volte à tona para assombrar a sua mente.
“Desde que aconteceu eu não consigo mais comer e nem dormir direito. Toda vez que eu cochilo um pouco eu sonho que ele está me estrangulando e aí eu acordo mais perturbada ainda. Essa é uma agonia que eu nunca imaginei que algum dia eu iria passar. É algo que eu não sei nem explicar direito. Uma desgraça que você realmente só consegue entender quando sofre na pele. Com palavras não dá, é só a dor mesmo. Eu não desejo que ninguém passe por isso nunca”, declarou uma abatida Renner.
E isso não é tudo. Pior do que danos físicos, a sensação de pânico e a mudança forçada da sua casa (Renner agora vive com familiares e só passa na sua sorveteria para pegar alguns pertences de vez em quando, sempre acompanhada da polícia) é a sensação de impunidade. E saber que aquele que a ameçou de morte e a espancou sem nenhuma misericórdia ainda continua solto por aí. Livre para aprontar uma próxima com ela, com a sua menina de 10 anos, com o seu namorado ou mesmo com outra pessoa. Mais um ‘monstro’ solto para atormentar as periferias da Capital.
“É muito ruim saber que ele ainda está livre depois de tudo o que me fez. Seja lá onde estou, eu me sinto desprotegida por causa disso. Hoje, desde que ele ameaçou me matar, a polícia tem me dado toda a assistência, mas o que eu queria mesmo é ver ele, ou qualquer outro envolvido, atrás das grades, pagando pelo que me fizeram”, disse ela.
Relatos de um momento de pânico
Apesar de traumático, a comerciante lembra bem de cada detalhe, cada gesto e cada palavra do que lhe aconteceu às 15h da tarde daquela terça-feira, dia 9 de fevereiro, na rua Minas Coelho, bairro Jorge Lavocat. “É uma atrocidade que, por mais que eu tente esquecer, já se tornou impossível. Parece que eu tenho tudo gravado na minha cabeça numa cena. Uma cena que a toda hora fica se repetindo diante dos meus olhos. Como se insistisse em me atormentar cada vez mais”, disse.
Segundo ela, o seu terror particular começou quando o rapaz entrou na sua sorveteria (da Lôra), vasculhou bem o local com a visão e pediu por uma bola de sorvete e um copo d’água. “Eu o atendi normalmente, mesmo com aquele tom já meio ameaçador. Quando eu me virei para pegar o sorvete no freezer, eu só senti a primeira porrada bem forte na parte de trás da minha cabeça. Daí, ele puxou a faca, começou a me xingar e me bater mais forte, puxando e arrancando os meus cabelos à força com a faca. Depois, ele começou a me chutar bastante e dizer que era para dar todo o dinheiro da sorveteria sempre que ele viesse para ‘cobrar’ e sem reclamar”, narra a vítima.
Em seguida, Renner conta que foi arrastada até um dos quartos da casa. Na seqüência, foi amarrada com pedaços de fios. “Daí, ele botou um capuz bem apertado na minha cabeça, que mal dava para respirar, e continuou me xingando”, completa. Para finalizar a barbárie, o agressor fez a ousada marca do ‘V’ nas costas de Renner e saiu com uma ameaça, ou melhor, com um aviso. “Vou e volto para matar, foi exatamente isso o que ele me disse”, lembra a comerciante. No fim, de prejuízo material foram apenas R$ 25,00 roubados. Uma vida inteira prejudicada por míseros R$ 25,00.
E como se não bastasse todo pânico, o agressor ainda quis mais. Alguns dias depois, ele ainda teria voltado à casa de Renner para mostrar um pouco mais do que o seu ‘talento artístico’ para o crime era capaz. Os muros da comerciante amanheceram na sexta-feira da mesma semana, dia 12, pichados com os dizeres ‘tu vai morrer’ e ‘vou te matar, eu ti avizei, eu Mozar’, além de um boneco desenhado com uma faca na mão.
Assalto premeditado?
Conforme a empreendedora, o crime pode não ter sido apenas um assalto qualquer, e sim um ato premeditado. Renner prefere não detalhar muito a história, já que tudo ainda está sendo investigado pela polícia e divulgar pode não ajudar neste processo, mas adianta algumas suspeitas. Segundo ela, há alguns eventos do seu passado que pode ter deixado um ‘criminoso da região’ invocado. Assim, baseado em todos os detalhes de como o assalto aconteceu (estar sozinha na hora, ter sido levados apenas R$ 25 e a surra sem qualquer explicação), o agressor, o tal ‘Mozar’ (nome provavelmente falso), pode não ter sido o mentor e sim um executor do crime.
A surra que custou uma vida
Sem dúvida, a pior conseqüência do tenebroso momento pelo qual Renner França passou foi a perda do seu bebê. Isso mesmo, a mulher de 32 anos estava grávida de quase 3 meses quando foi brutalmente espancada.
Na última quarta-feira, ela se consultou no Hospital da Criança para saber o que tinha acontecido com a ‘pessoinha’ que crescia dentro dela. O resultado foi só mais um choque na sua já tão sofrida vida e a de toda a sua família: aborto espontâneo e precoce, ocasionado pelo excesso de traumas e lesões físicas na região do abdômen, colo uterino e outras áreas do corpo.
“O médico disse que eu perdi o bebê porque apanhei muito. Pra mim, essa foi uma das piores palavras que já ouvi na vida. Foi a coisa que mais me chocou nesta surra. Eu e o meu namorado (o pai da criança) estamos muito abalados com esse aborto. É algo assim irreal, porque nós mal soubemos que eu estava grávida e logo veio essa notícia de que eu perdi o bebê. Parece mesmo é que nem aconteceu. E o pior é saber que daqui a 6 meses eu poderia estar segurando um filho nos braços. Mas não vou”, contou.