Sem pessimismo exagerado, podemos dizer que o presente século é um século moralmente decadente, uma espécie de “era caos” ou de “desordem total” no âmbito dos princípios éticos universalmente aceitos.
Nietzsche (1884-1900), se vivo estivesse, diria que estamos sofrendo as conseqüências, enquadrada na máxima, em que os códigos absolutos não são válidos. Nietzsche dizia que a moralidade é relativa e que existiam duas formas de moralidade: a primeira é a moralidade dos governantes fortes; a segunda é a moralidade dos escravos, dos governados. A moralidade dos governantes incorpora as virtudes esperadas dos fortes, como força e independência. A moralidade dos escravos incorpora as virtudes das pessoas fracas como humildade, dependência e mansidão. Os dois grupos se rejeitam. Deste modo, a moralidade é um desenvolvimento natural de tipos de pessoas, não uma entidade fixa, absoluta ou eterna.
Essa situação caótica, diferentemente do que pensava Nietzsche, é, no meu entendimento, a ausência quase total de princípios éticos relevantes. É, antes, o resultado do afrouxamento de posturas éticas no seio da família; nas hostes dos governos constituídos; nas escolas e, como vamos enfocar aqui, nas diretrizes básicas da mensagem da igreja, dita cristã.
No meu modo míope de ver o quadro, entendo que os reflexos dessa frouxidão ética são notórios: A religião e a fé genuína estão em declínio; só 7% da população na França, por exemplo, se interessam pela “busca da espiritualidade”. Na Alemanha, e porque não dizer no resto do mundo, a prostituição ganha respeitabilidade. Naquele país 62% da população acham que a prostituição deve ser reconhecida como qualquer outra profissão. A Sífilis, doença sexualmente trans-missível está de volta, daí é um pulo para o surto epidêmico da Aids. O mundo tem hoje milhões de pes-soas contaminadas pela Aids.
No campo da miséria social, o Brasil possui mais de 50 milhões de indigentes, na sua maioria sobrevivendo com renda abaixo de R$ 100,00. O espaço aqui, precioso, é exíguo para o elenco das desgraças sociais, notadamente da brutal violência, que assolam o mundo atual. Se for assim, qual deve ser a postura da Igreja Cristã frente aos males do presente século?
O suíço Hans Kung, teólogo católico liberal, estimulador do tema – a relação entre religiões e ética mundial – quando de sua visita ao Brasil em 2007 declarou em entrevista à Folha de São Paulo que o Papa Bento16 pretende pregar princípios éticos comuns a todas as religiões. Esse pressuposto ético, de não fazer ao outro aquilo que não quer que lhe faça, seria comum a todas as religiões. Há ainda outros princípios éticos, sendo o principal não matar.
Essa ética serve tanto para as guerras convencionais, como para as mortes através do aborto e, também para as guerras nas favelas do Rio de Janeiro ou para a periferia de Berlim. Nesse princípio ético, desculpem a redundância, estão elencados: não mentir; não roubar e; não abusar da sexualidade. Tal ética, fartamente embasada no Decálogo, se adequa perfeitamente no imperativo categórico kantiano (Immanuel Kant) enunciado através dos últimos 100 anos: “Age de tal maneira que o motivo que te levou a agir possa tornar-se Lei Universal”. Ou, em outras palavras: devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que minha máxima se torne uma lei universal.
Pode até ser, que tais diretrizes éticas, advindas do Papa, sejam utópicas, uma vez que o mundo está permeado duma cultura concretizada nas guerras, nos crimes, na opressão social e na conduta autodestrutiva. Contudo, Hans Kung está convencido de que é possível se construir uma ética a partir dos valores morais compartilhadas pelas grandes religiões do mundo e aceitas pela razão secular.
Entretanto, a reação na busca duma ética mundial, não é tarefa simplória, pois que sabemos não ser tarefa pequena reverter este quadro de alienação ética, em que a igreja cristã está metida. É mais cômodo para alguns grupos, especialmente grupos que compõe as igrejas eletrônicas, espoliar de todas as formas, em nome de Jesus, o que resta da economia do povo sofrido, do que estabelecer princípios éticos, que venham minimizar as diferenças gritantes porque passa a sociedade como um todo.
A igreja que deveria ser, antes, um organismo, voltada para o “lado espiritual”, a adoração, o ensino e a pregação, tornou-se hoje numa organização e faz parte de um contexto religioso que se tornou em fator político. A igreja mobiliza milhões de pessoas e deve fazer parte da solução e não, procurar uma saída da responsabilidade usando artifícios teológicos, ou lançando sobre o poder (Estado) a carga total da solução que envolve o homem e suas mazelas.
* Francisco Assis dos Santos é professor e pesquisador (de gabinete) em Filosofia e Ciências da Religião. E-mail: assisprof @yahoo.com.br