O Colégio Estadual Armando Nogueira amanheceu de luto na manhã de ontem, 29. Minutos após ser informado da morte do comentarista esportivo, que emprestou o nome ao estabelecimento de ensino ainda em vida, o diretor César Vieira Fidélles mandou afixar uma faixa preta no portão de entrada.
As aulas, todavia, transcorreram normalmente e a homenagem especial ao acreano que, além da escola também batiza a piscina olímpica do estabelecimento, vai ter que esperar até o dia 10 de maio, quando serão comemorados os sete anos de fundação.
De acordo com César, Armando Nogueira não esteve presente a solenidade de inauguração da escola – que contou inclusive com a presença do presidente Lula – mas veio depois para um bate-papo especial com os alunos. “O tema da palestra era um Papo com Nogueira. Foi muito especial”, lembra.
Na ocasião, o cronista doou à biblioteca da escola sua coleção de livros, composta por cerca de dez obras, a maioria direcionada ao esporte. “Muitas obras são utilizadas pelos alunos em aulas práticas, os professores têm orientação para incentivar a pesquisa sobre os textos do Armando”, informou César.
Nogueira sofria de câncer desde 2007, tinha 83 anos, e morreu por volta das 7h de ontem (29), em seu apartamento, na Lagoa, na Zona Sul do Rio. Era tão querido pelos cariocas que o governo daquele estado decretou três dias de luto oficial e solicitou a realização do velório na Tribuna de Honra do Estádio do Maracanã.
No Acre, sua terra natal, até às 13h, nenhuma nota oficial tinha sido emitida pelo governo. A demora se deu em virtude de o governador Binho Marques (PT) estar em Brasília, participando da solenidade de lançamento da última etapa do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A assessoria de Comunicação Social do governo também não soube informar se o governador acreano iria se deslocar até o Rio para participar do sepultamento de Armando. O enterro será hoje (30), às 12h, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul do Rio.
“Acho isso uma falta de respeito com uma pessoa que tanto fez pelo Estado”, protestou o ator Paulo Maia, admirador do cronista.
Segundo ele, os acreanos devem se orgulhar de ter um filho da terra que revolucionou a forma de fazer jornalismo no Brasil, durante o período que esteve na direção da emissora. Armando nasceu no Acre, mais precisamente no município de Xapuri. Foi para o Rio de Janeiro aos 16 anos e lá se formou em Direito.
Pelo menos sessenta anos de sua vida foram dedicados à carreira de jornalista e poderia ter sido muito mais, não fosse o câncer descoberto há três anos. O jornalista foi responsável pela implantação dos programas jornalísticos em rede nacional na TV Globo e pela criação dos programas “Jornal Nacional” e “Globo Repórter”.
Repercussão local e nacional
Professora lembra irreverência do aluno Armando Nogueira
Então diretora da Escola Maria Angélica de Castro, que sucedeu a 24 de Janeiro, a professora Clarice Fecury relembra, do alto de seus 90 anos de idade, que um dia o secretário de Educação fez uma visita à escola e decidiu conhecer dois estudantes, Aluízio Maia e Armando Nogueira, dos quais se falava eram por demais conversadores.
Depois de algum tempo com os dois rapazes, o secretário dirigiu-se à Clarice Fecury, diretora da escola: “Esses dois alunos são maravilhosos”, disse o gestor. “Armando Nogueira era muito levado, brincalhão, mas era também muito simpático e estudioso”, disse a professora Clarice Fecury.
Paixão pelo Acre e por seus personagens
O jornalista e escritor Silvio Martinello lembra do amor que Armando Nogueira tinha pelo Acre e por seus personagens. Como prova disso escolheu um jornal local para publicar semanalmente sua coluna “Na Grande Área”. O veiculo escolhido foi esta GAZETA.
“Ele nunca cobrou nada pelo material. Era a forma de demonstrar seu amor pelo Acre”, revela o jornalista. A coluna era publicada uma vez por semana. Nela, Armando falava de suas raízes, suas paixões e seu amor por esta terra.
Florentina Esteves: “era inteligentíssimo”
A educadora Florentina Esteves guarda algumas situações marcantes da infância com Armando Nogueira. Numa delas, faltou goleiro na pelada diária do Campo dos Pipiras, na Escola 24 de Janeiro (que mais tarde se chamaria Maria Angélica de Castro, no Segundo Distrito de Rio Branco), e Armando convocou a jovem para ajudar o time no gol. A atuação não foi das melhores e hoje Florentina ri dessa história.
Ela ficou sabendo da morte do amigo somente por volta das 11h. Sua secretária ligou do Rio de Janeiro para comunicar que a cidade estava em grande tristeza devido à passagem do jornalista. Para Florentina, a característica marcante de Armando Nogueira era de fato a inteligência. “Ele escrevia muito bem. Os textos de esporte eram crônicas de arte”, disse. “Ele era inteligentíssimo”.
Na internet, a Enciclopédia online Wikipedia confirma essa constatação: “Armando Nogueira é dono de um estilo original e elegante, que foge dos lugares comuns que proliferam na crônica esportiva. Pode-se dizer que fez escola, pois vários repórteres esportivos tentam imitá-lo. Não raro, Armando extravasa sua veia poética para demonstrar sua admiração pelo esporte e por seus ídolos. Algumas de suas frases inspiradas se tornaram antológicas. A seguir, alguns exemplos.
Elson Martins: “sua morte doeu em mim”
O jornalista Elson Martins viu seu interesse por futebol crescer depois que descobriu que Armando Nogueira era nascido no Acre. Elson faz um breve relato de como conheceu o trabalho de Armando: “Nos anos 1960, quando procurava meu lugar ao sol em Belo Horizonte, como estudante de Cinema e Belas Artes, pouco me interessava o futebol. Mas procurava, nas bancas de revista, o Jornal do Brasil para ler as crônicas poéticas que ele escrevia. Quando soube, mais tarde, que era acreano de Xapuri, meu interesse pelo futebol cresceu. Passei a freqüentar o estádio Mineirão e torcer pelo Cruzeiro. No final de 2006, tive a felicidade de ser apresentado a ele pela novelista Glória Perez, no Rio de Janeiro. Puxa vida! Sua morte doeu em mim, de verdade”.
# Pedro Bial, jornalista: “Eu e talvez toda a minha geração… nós simplesmente não existiríamos se não fosse Armando Nogueira. Eu comecei a ler jornal por causa dos textos dele (…) O destino ainda me reservou a chance de ter ele como meu primeiro chefe. É como se eu tivesse perdido um pai”.
# Fernando Meligeni, ex-tenista: “Que notícia triste acabo de receber. Falecimento do mestre Armando Nogueira. Que cara espetacular, que pessoa linda. Tive a honra de conhecê-lo”.
# Luciano Huck, apresentador: “Parte da história da televisão brasileira foi escrita por Armando Nogueira! Deixo registrada minha admiração e carinho à família”.
# Renata Capucci, jornalista: “Mestre Armando Nogueira morreu”.
# J.B. Oliveira, o Boninho, diretor de TV: “Deixo meu beijo para o jornalista, amigo, aviador, poeta e criador do ‘JN’, Armando Nogueira”.
# Giovane Gávio, treinador de vôlei: “Compartilho com a família e amigos do Armando Nogueira à dor deste momento. Eternizado em nossas mentes e corações com comentários brilhantes!”
SEM CIÚMES
Faço parte de uma turma privilegiada que tem um rio passando na sua própria história. E não estou em má companhia: os rios habitam a poesia e a lembrança de tanta gente boa que navega pelos caminhos ardentes desta vida.
Assim, de relance, me lembro de Capibaribe de Bandeira, do Tejo de Fernando Pessoa, do Paraná do Ramos de Thiago de Mello e até de uma escola de samba azul-e-branca que virou rio num canto inesquecível de Paulinho da Viola: Portela! Portela!
Essas lembranças “fluviais” me ocorrem neste dezembro, final de um ano em que pude rever as águas cordiais do Rio Acre, o rio da minha vida inteira. Eis que, no retorno, recebo um texto poético de José Augusto Fontes, com sabor de carta-resposta a uma de minhas confissões em que proclamo: “Este rio é meu!” Transcrevo, mais adiante, trechos da carta-poema que só não sai na íntegra por questão de espaço.
Veja, caro José, quando uso o pronome “meu” não o faço no sentido de propriedade pessoal, exclusivo, estou, apenas, reafirmando os traços de uma identidade que os anos e a distância não apagaram de minha saudade.
Este rio é meu, é o meu Jordão. Na recente viagem que fiz a Rio Branco e a Xapuri, recordei a emoção de meu primeiro mergulho nas águas do Rio Acre. Águas da minha purificação. Minha pia primordial. Em teu doce remanso, inaugurei os fervores essen-ciais de minha infância. Mil vezes banhei-me no silêncio de todas alvoradas. Rio meu e dos meus conterrâ-neos; dos que nasceram e também dos que não nasceram lá. (Todos sabem que existem apaixonados acreanos de coração, nascidos em outros portos).
Uma coisa é certa. Os rios correm para todos. Para os que se foram e para os que ficaram.
E agora, leiam as palavras de um acreano “que ficou”, e por isso mesmo é um verdadeiro herói da revolução diária, em processo, que o Acre vive intensamente.
“O poeta acreano que faz tabelinhas fantásticas com as palavras, que faz poesia com o futebol, durante as comemorações do centenário do Tratado de Petrópolis, disse emocionado, sobre o Rio Acre: “este rio é meu”. Agora, cheio de ciúmes, digo ao Armando que este rio que ele quer, já tem dono. Este rio é meu. E torço, na marca do pênalti, para que o Armando não o conquiste de longe. Conhecendo este rio, sinto que ele tem saudades do poeta xapuriense e o quer aqui mais vezes.
Mas este rio é nosso, é meu. Ele não é só para a poesia, para um ou outro momento, este rio é para a vida inteira, para o olhar diário, para um passar constante. Mais que isto, é ele para muitas vidas, a minha e a dos meus filhos, vidas que renascem quase todo dia em suas correntezas, que tentam interpretar sua beleza, que aparam o sol em suas águas, que sentem no rosto a noite das suas margens. Este rio é para amor simples, sem solenidades. Pede repetidos afagos. E não sacia, porque espera pelo vagar de muitos goles. A poesia deste rio é a crônica diária, porque ele não dá água para lágrimas de ontem. É simples, este rio é revolucionário.
Este mesmo rio que encontro em Xapuri, que veio passear em Brasiléia, que espero crescer em Assis Brasil, me acompanha em Rio Branco, anda junto com minha vida, que também finge passar, mas não sai daqui. Este rio é meu, da minha infância, da adolescência e desta madura juventude seguinte em que me encontro. Pequenas coisas me dão para este rio, que é meu e de quem o acompanha por estas florestas, para além da poesia. E sendo meu, este rio não dou, sequer à emoção, porque lhe falta a razão de estar com ele em tantas curvas e estirões, nas alegres lendas, nas inacreditáveis conversas fiadas.
É preciso navegar este rio, nele embarcar os filhos, outros olhos, novos sentimentos. Este rio é para muitas vidas, além dos discursos e das especiais homenagens ao poeta de toque refinado, sempre merecidas. Este rio é meu e não é para levar, ele é daqui, como nossas vidas. Este rio é para amar, mas é preciso navegar. Este rio é meu, é dos meus filhos, é dos meus amigos, dos teus, dos dele. É de todos os que lhe dão bom dia, dos que lhe dão o carinho da usual olhadela, é das moças que o esperam na janela, dos que o cruzam por opção, dos que o olham com repetida emoção, pela freqüência da situação de estar perto dele, das suas lendas e águas aqui barrentas, acolá cristalinas.
Do calçadão, vejo meu rio, outra tarde começa a sumir em suas águas, o sol afundou num grande salão. Água não tem cabelos. Afogou-se a tarde, a água ficou prateada na flor, cheia de uma lua que só aqui existe. Devo estar emocionado, quem sabe, vou encontrar a poesia do rio, a poesia de quem freqüentar seu entardecer, de quem conhece suas artimanhas e remansos, de quem corre em sua correnteza com os dias da própria existência, de quem espera anoitecer nesta floresta, nesta terra de muitas águas, de fartas águas para muitas sedes, inclusive a minha, que quer tomar todo este rio, que tem ciúmes de suas curvas se esticando para roçar a areia das praias.
Deste rio, mata-lhe a sede a poesia de quem lhe bebe as águas com sempre muita vontade. A poesia que o emoldura é a de quem pisa o barro de seus barrancos, a areia de suas margens, com cuidado nas arraias. A poesia deste rio é lenta como um balseiro, simples como um seringueiro, enorme como a Amazônia. A poesia deste rio pode estar na sombra da samaúma refletida em suas águas, na longa castanheira em seus arredores. A poe-sia deste rio é misterioso e agradável como as águas que o separam das margens, que só se encontram no prazer de atravessá-lo, desde o tempo das catraias, de nadar em suas águas quando menino, de olhá-lo com o carinho de adulto. É uma poesia para gastar e renovar, penetrante, como as águas que passam enquanto o rio fica, como ficamos nós, neste leito de amor com ele, para bem adiante da poesia.
(Publicado em 4 de janeiro de 2004)
“Se eu não gostasse tanto de viver, hoje seria um bom dia para morrer”
(Armando Nogueira ao repórter Ramiro Marcelo, desta GAZETA, durante a inauguração da escola que leva seu nome, em 2003)
A cronologia de um vencedor
14 de janeiro de 1927 – Nasce em Xapuri, Acre;
1944 – Muda-se para o Rio de Janeiro;
1950 – Começa a carreira de jornalista do “Diário Carioca”, onde foi repórter, redator e colunista;
1954 – Participa pela primeira vez de uma cobertura de Copa do Mundo;
1957 – Trabalha na revista “Manchete” como redator-principal;
1957 a 1959 – Trabalha como repórter fotográfico na revista “O Cruzeiro”;
1959 – Começa a trabalhar no “Jornal do Brasil”. Em sua passagem pelo jornal, foi redator e colunista, assinando a coluna diá-ria “Na Grande Área”;
1959 – Inicia sua carreira no telejornalismo, na antiga TV-Rio;
1966 – É nomeado diretor da Central Globo de Jornalismo, cargo que ocupa até 1990;
1980 – Participa, em Moscou, de sua primeira cobertura dos Jogos Olímpicos;
1993 – Integra a equipe da Rede Bandeirantes de Televisão na cobertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona;
2004 – Participa da cobertura dos Jogos Olímpicos de Atenas junto com a equipe do canal pago SporTV
O Acre, a terra querida descrita em verso e prosa
Foram várias as bem traçadas linhas escritas sobre o Acre por Armando Nogueira. Sua paixão pela terra natal não era apenas proclamada em elogios gerais, assim como o fazia ao Botafogo, mas sua empresa, seu avião, seu endereço de email levavam a marca “Xapuri”, o berço da nascença.
Em “O reencontro da infância” Armando narra a volta ao Acre ocorrida em 2003. “Foi um ano de reencontro. Viajei ao Acre, minha terra querida. Revi a gameleira secular em cuja sombra afetuosa transcorreu a parte melhor de minha infância”, diz com seu estilo único de produzir a crônica.
Na infância em Rio Branco, confessou, gostava mesmo era da intelectualidade de gente como o poeta Juvenal Antunes e da ambientação do Segundo Distrito, onde estudava, brincava e vivia: “Tinha eu, se tanto, dez anos de idade. Matava aula pra ficar ouvindo o canto de um poeta enfeitiçado, a quem devo a descoberta de duas paixões. Venerei Laura em cada verso que o bardo recitava à beira do Rio Acre. Amor sem corpo, abstração de um poeta de água doce”.