Já não diz o poeta que é preciso saber viver? Não mais sequer acredito nisso. É falácia pura. Viver fustigado por um verdugo que nos afaga o pescoço a ser brevemente decepado não é viver. É morrer, certamente. Na verdade, enganam-nos como enganam o velho índio quando nos passam capim pelas ventas dizendo que são os nobres aspargos com os quais devemos alimentar-nos e ser felizes. E nós vamos passando os breves dias, por este paraíso em lágrimas, trabalhando para um patrão que nos desonra e nos vilipendia ao querer do servidor público federal o esforço extremo sem jamais cogitar que as suas dívidas para conosco poderão um dia ser pagas, posto que as nossas perdas salariais são muitas, e ele até o reconhece, mas protela por décadas na esperança de que sejamos vencidos pela morte, o que lhe será proveitoso.
Mas não vos falo do regalo que é a vida do funcionário do Ministério da Fazenda, ou do Ministério da Justiça, ou do Ministério das Minas e Energia, dentre outros. A mensagem aqui referida tem como alvo o servidor do Ministério da Educação, aquele reles burocrata ou aquele triste professor que busca fazer muito quando as condições são sempre mínimas, notadamente as salariais, a não ser que ele tenha atingido um elevado grau de excelência que o leve para a Europa ou para os Estados Unidos, onde os vencimentos dos cientistas e doutores chegam à casa dos trinta mil reais mensais. Aí, o Brasil já era!
Ocorre que, ao contrário, enquanto os gringos não os levam com as suas propostas maravilhosas, eles vão ficando por aqui… e que Deus do céu lhes ajude… Em verdade, os nossos desvalorizados professores universitários produzem noventa e cinco por cento da pesquisa brasileira, apesar das condições irrisórias. Eles não divulgam a sua capacidade nem alardeiam a sua competência, mas dizem a que vêm quando elevam o fazer científico nacional a patamares invejados pelo dito primeiro mundo.
Segundo penso, torna-se deveras complicado e até fadigoso usar os americanos como exemplo de qualquer coisa pelo seu elevado grau de petulância e antipatia. Mas que eles são bons, isso lá são, com certeza. Deli Matsuo, diretor de recursos humanos da Google, tem apresentado por onde passa um modelo inovador de gestão de pessoas, em que a política foi desenvolvida não para reter os melhores profissionais, mas para fazê-los felizes. A Google parte do princípio segundo o qual funcionários satisfeitos produzem mais e com mais eficiência, e isso é cobrado pela empresa.
Lá, descobriram a roda. Aqui, ainda não sabemos o que é o fogo e não entendemos fatores básicos como este segundo o qual só se é feliz quando os esforços são suficientemente reconhecidos por quem de direito e dever. Por esta e por outras é que vos asseguro: os nossos cientistas, apesar de brilhantes, não podem ser felizes. Da mesma forma, os funcionários administrativos das universidades federais, parceiros dos primeiros, passam pelas maiores agruras quando as demais pessoas pensam que eles têm grandes salários federais. Não, senhores e senhoras! Os menos cuidadosos – talvez a maioria – estão endividados até a raiz dos cabelos e não têm crédito na praça porque os seus salários estão congelados desde a pífia era Fernando Henrique, passando pelo tempo nublado de Luiz Inácio e chegando aos dias atuais… Aí, o larápio assaltou a casa do barnabé porque pensava, como muitos pensam, que os funcionários da Ufac vivem do bom e do melhor. Esta não é a verdade, senhor ladrão! Ali, os salários decrescem, mínguam, diminuem; isso, há dezesseis longos anos. Já tivemos dias bem mais felizes, outrora. Hoje, amargamos a existência sob as ameaças constantes do Governo Federal que nos quer ver pelas costas, senão observemos o que passo a relatar.
Há, no Congresso Nacional, um projeto de lei (PLP 549/09) que tem por objetivo congelar os nossos salários por dez anos. Ora, senhores! A depender dos nossos representantes em nível federal, deputados e senadores brasileiros que nos desconhecem e desconhecem a nossa causa, já fomos antecipadamente derrotados e a desgraça se abaterá cada vez mais forte sobre a Universidade Federal do Acre, porque não há quem sirva de bom grado a um senhor e a um feitor tão insensíveis, tão miseráveis. E aí, como fica aquele filho que foi aprovado para Direito ou Engenharia ou Medicina? Para onde vai o projeto de cidadão preparado para erguer o Brasil do amanhã? Quem em Brasília teria condições intelectuais ou morais para opinar ou ponderar sobre situação tão escandalosa?
Nenhum político com mandato veio dizer a mim ou a nós, mas todos estão cientes das trampolinagens que armam nos porões do poder. Logo ao assumir e iniciar o primeiro mandato, tal como fez Fernando Henrique, as primeiras medidas tomadas pelo Governo Lula foram um verdadeiro balde de água fria nos ativistas comprometidos com as mudanças e com a defesa dos trabalhadores. A reforma previdenciária foi aprovada com a taxação dos aposentados e a elevação da idade mínima para a aposentadoria, com violenta repressão aos funcionários rebelados que foram agredidos fisicamente e tiveram o acesso impedido ao Congresso Nacional, aquela quase casa do povo, aquele ninho de abutres.
Os anos do Governo Lula foram marcados pela divisão da classe trabalhadora. Há aqueles que buscam estabelecer uma resistência aos ataques e há os outros, aqueles que ficam atenuando os desmandos do comando geral da República. O resultado disso é que, após sete anos, o governo usa o patrimônio político erguido pelos trabalhadores para investir contra exatamente estes que levantaram a sua bandeira de justiça que é tão tardia quanto imoral e relapsa.
É preciso dizer a todos, inclusive aos poucos componentes do Congresso praticantes da democracia real, que talvez a ciência e o desenvolvimento tecnológico estejam nascendo, crescendo e aprendendo a andar livres pelas nossas mãos que os guiam pelas estradas íngremes através das quais segue, sonolento, insatisfeito, triste mesmo, o futuro do Brasil.
Aí, então, uma espécie de refração psicológica foi o passo seguinte, bem ao estilo FHC que, à época da greve dos petroleiros, mandou dar porrada nos grevistas e caçou-lhes os direitos sindicais. Ontem, como hoje, os sindicatos foram encaixotados e colocados no seu devido e miserável lugar, o lugar dos que não têm direitos, mas tão somente deveres de cidadãos para com uma pátria que cobra tudo e nada restitui.
E o Governo preparou mais uma das suas armadilhas nocivas, ou seja, um projeto que trata da proibição das greves do funcionalismo. (Lula-lá, brilha uma estrela, Lula-lá, meu amor primeiro…) Lembram? Então, a patranha visa colocar o governo com autoridade para aceitar ou não as propostas nas negociações. E mais: haverá punição contra os sindicatos que não cumprirem a regra, os pontos serão cortados logo na deflagração das greves, este, um direito doravante proibido. Em outro artigo aparece a criação de um tal observatório social que acompanhará as greves e dirá se estas são ou não legítimas. Ora, a composição deste colegiado não é definida e quem fará parte do mesmo, certamente, será o homem grande da Polícia Federal e mais o Romeu Tuma e mais o Tarso Genro e mais nenhum trabalhador. Pior é notar que há setores da CUT – Central Única dos Trabalhadores – que querem negociar. Melhor é notar que a maior parte dos sindicatos é contra qualquer negociação que restrinja o direito de greve.
Pancada na moleira mesmo foi a do dia 16 de dezembro de 2009, quando aprovado no Senado da República, na surdina e em silêncio, o projeto de lei 611, de autoria dos líderes da base do Governo. Trata-se de uma versão remasterizada do PL 01 que foi encaminhado pelo governo em 2007 e barrado pelas forças sindicais ainda respirantes. É este atentado, agora com a denominação PLS 549, que está na Câmara em trâmite para votação em breve. Agora, reza o aborto quase jurídico que o limite de despesas com o funcionalismo, para os próximos dez anos, não deverá ultrapassar o índice da inflação por eles previsto para 2,5%. Como esse limite é para reajustes, contratações e promoções, o percentual cobrirá somente o crescimento vegetativo da folha que é concedido através das promoções. Assim, por dez anos não haverá concursos para a renovação do quadro de professores e os salários continuarão congelados para todo o sempre, porque eu já terei sido assassinado por este arrocho que eles ensaiam, mas que já ceifou as vidas de muitos dos nossos amigos da Ufac.
O Governo Federal tem dívidas insondáveis para com os funcionários públicos e não as paga, assumindo, assim, o papel de velhaco contumaz. Por outro lado, se nos atrasamos um pouco com o naco a ser devorado pelo leão da Receita Federal, prendem-nos nas mesmas masmorras fétidas onde jamais ficará o Zé Roberto Arruda. Todos nós pagamos impostos escorchantes e o poder público faz mesura com o chapéu alheio quando, aliado a organizações não-governamentais de caráter duvidoso, institui o auxílio reclusão para os filhos dos presidiários. O litro da gasolina com adição de álcool para os brasileiros donos do pré-sal sai a R$ 2,92, enquanto para os súditos da América do Sul, como a Bolívia, o preço está cotado pela nossa prostituta Petrobras a R$ 1,20, sem adição de álcool. Boa educação adquirem os descendentes daqueles que têm dinheiro para pagar colégios particulares porque a rede pública de ensino não guinda nenhum filho de pobre aos cursos da USP ou da Unicamp. Se o cidadão não quiser morrer antes, deve pagar um absurdo aos convênios particulares de saúde porque o sistema está doente desde as primeiras ações de Mem de Sá. A segurança deixa qualquer humano inseguro nestes confins ocidentais. Pagam ao cidadão motoqueiro noturno que diz vigiar o sono da família, este que apita para que o ladrão fique onde está, por enquanto. Colocam-se alarmes e grades e fios de choque a preços altos, tomam-se os revólveres quando deveriam ter aberto matrícula para todos em escolas superiores de tiro ao alvo. Depois de morto, o cidadão que trabalhou até o último dos seus dias, tem diminuído em trinta por cento o salário que ganhava quando vivo, segundo uma outra lei aprovada pelos nossos representantes em Brasília, em 2004. Ou seja: a viúva e os filhos, além de chorarem a perda o esteio da família, ainda são surrupiados em valores que lhes poderiam muito bem garantir uma vida sem maiores apertos. Sacanagem!
O que significa ser feliz num Brasil de tantos proxenetas, mentirosos e punguistas? Aviltam o meu salário de cientista dignificado num dos maiores e melhores centros de excelência universitária do país e ainda me querem submisso, acovardado e apanhando em silêncio. Não, isto nunca! Erraram porque me ensinaram a ler e erraram mais ainda quando me puseram a pensar e a lançar desafios contra quem quer que seja, sem arbitrariedade, mas com muita justiça, porque tenho estrela própria e sou o livre pensador que tão poucos conhecem, infelizmente.
* José Cláudio Mota Porfiro é escritor assíduo e produtivo.