O presente artigo visa compreender as implicações psíquicas provocadas pela organização do trabalho na saúde mental dos professores de uma escola pública na cidade de Rio Branco-AC. A organização do trabalho refere-se à divisão do trabalho, o conteúdo da tarefa, o sistema hierárquico, a burocratização da tarefa e as questões de responsabilidade exigidas pelo trabalho. A compreensão desta situação deu-se a partir do referencial teórico psicanalítico de Christophe Dejours e pesquisas sobre a saúde mental do professor.
As condições e ambientes de trabalho melhoraram de forma significativa nos últimos anos e as altas taxas de morbidade e mortalidade dos trabalhadores diminuíram. Porém, mesmo nos países desenvolvidos os agravos à saúde permanecem, resultando em números elevados de acidentes e doenças ocupacionais, em sua maioria entre trabalhadores desprotegidos pelas leis previdenciárias. Por outro lado, as transformações técnicas e organizacionais introduzidas nos processos de trabalho têm suscitado um acentuado desgaste no trabalhador, demonstrado através de distúrbios orgânicos, psíquicos ou mistos: hipertensão, doenças coronárias e digestivas, neuroses e psicoses classificadas, genericamente, como doenças do estresse ou tensão.
Christophe Dejours afirma que após diagnosticar o sofrimento psíquico em situações de trabalho, não se deve buscar atos terapêuticos individuais, mas intervenções voltadas para a organização do trabalho à qual os indivíduos estejam submetidos.
O Centro Estadual de Referência em Saúde do Trabalhador do Estado do Acre (CEREST), denominado Francisca Leite, é vinculado à Secretaria de Estado de Saúde e foi criado em 2005 com o intuito de assegurar um ambiente e condições de trabalho saudáveis, alem de garantir a participação de trabalhadores e fornecer subsídios para sua organização, por meio de sua inserção ativa no processo de produção e transformação das relações de trabalho.
A origem da palavra trabalho, do latim, tripalium, deve-se a um instrumento utilizado na manufatura de cereais que, posteriormente, foi usado como instrumento de tortura na Idade Média. Por outro lado, o trabalho também possui um caráter humanizador e por meio desta relação, o homem se torna diferente do animal na produção de sua subsistência.
Uma das explicações para a ambiguidade encontrada no trabalho está vinculada ao modelo taylorista de organização do trabalho que apesar de ter sido idealizado no início do século passado, atualmente ainda permanece como modelo organizacional. A separação feita pelo sistema Taylor entre trabalho intelectual e trabalho manual repercute na saúde do corpo atingindo principalmente o aparelho mental.
A compreensão da maneira como se elaboram as duas facetas da organização do trabalho, isto é, aquelas que são, respectivamente, fonte de sofrimento e de prazer, é indispensável para se tentar uma interpretação mais global dos laços entre trabalho e saúde e, também, para se procurarem alternativas satisfatórias.
O projeto nomeado “Promovendo a saúde no trabalho” foi desenvolvido pela equipe multidisciplinar do CEREST em uma escola no período de setembro a dezembro de 2009. Os encontros quinzenais, realizados na própria escola, contaram com a participação dos professores do período matutino e vespertino. Estratégias como palestras, dinâmicas de grupo, exercícios físicos, relaxamentos e orientações e encaminhamentos foram planejadas para o desenvolvimento das atividades do projeto, objetivando sensibilizar os participantes quanto a necessidade de um programa de prevenção e atender as necessidades dos trabalhadores, em relação à orientação e prevenção das doenças relacionadas ao trabalho.
Dentre os temas sugeridos para a discussão, os professores citaram: educação para a prevenção de transtornos mentais; discutir motivação, valorização e reconhecimento do trabalhador; a importância de orientações em relação a LER (Lesões por esforços repetitivos); a necessidade de aumentar a satisfação do trabalhador no ambiente de trabalho; refletir quanto a fatores de melhoria de qualidade de vida; orientações quanto a cuidados gerais com a alimentação e saúde; cuidados com a voz e exercícios para controle e prevenção de dores lombares e cervicais.
O projeto desenvolvido na escola corroborou com os estudos relativos a saúde mental e o trabalho docente. Os resultados demonstram que os professores sentem a escola como um local gerador de prazer, mas também de sofrimento e doenças. Como fonte de realização, os professores ressaltaram a presença da interação, amizade e companheirismo e como fonte de desprazer relataram problemas ligados às condições estruturais e organizacionais da escola, pressões recebidas por parte dos pais, alunos, da escola e da Secretaria de Educação, baixos salários, desvalorização e o não-reconhecimento pelo trabalho realizado.
Os estudos em saúde do professor apontam para a falta de recursos materiais que limitam a atuação do docente, principalmente nas escolas públicas, e o levam a uma descrença na possibilidade de mudanças. A violência nas instituições escolares é outro fator agravante da situação negativa deste trabalhador. Os tipos mais comuns de violência nas escolas brasileiras são os roubos e o vandalismo que atingem o patrimônio das escolas e as agressões interpessoais. Outro fator que tem alterado física e mentalmente o professor é o aparecimento da droga nas escolas.
O professor está muito confuso por não saber como agir diante dos novos papéis que se vê obrigado a assumir, uma vez que os agentes tradicionais de socialização (família, ambiente cotidiano e grupos sociais organizados) abandonaram o desempenho de suas funções educacionais, exigindo das instituições escolares que ocupem esse vazio. A realidade é que os pais estão transferindo para as escolas o papel de transmitir valores mínimos, como também culpando os professores pela má-educação de seus filhos.
Esta situação agrava-se ainda mais com a frequente necessidade do professor desempenhar ações que são incoerentes entre si, como, por exemplo, espera-se que o professor, em certos momentos, mantenha uma postura amiga, companheira e compreensiva, e em outros adote um papel de avaliador ou julgador de seus alunos. O resultado desse sistema é um professor que se queixa de mal-estar, cansaço, desconforto.
Estudiosos recomendam que o professor deve manter-se na função de ensinar e não deve assumir funções parentais. Os alunos não são favoráveis à postura de pai ou mãe, por parte do professor; realizar estas funções acaba gerando uma enorme confusão de papéis.
Acreditamos na imperiosa necessidade de sensibilizar as autoridades e comunidade escolar a tomarem firme decisão de atuarem de forma articulada e integrada visando à superação dos problemas vividos pelos professores. Afinal, a organização do trabalho tem provocado fortes impactos à sua saúde mental dos professores, podendo levá-los ao sofrimento e, consequentemente a desistir do seu trabalho, mesmo permanecendo nele.
Faz se necessário também que se busque priorizar e regulamentar políticas de qualidade de vida no exercício da docência. Precisa-se de melhorias na educação, iniciando pela valorização do trabalho docente, suas condições de trabalho, sua formação, salário digno, condições técnicas, estruturais e organizacionais e, sobretudo, condições morais e psicológicas, para uma atuação digna e autônoma.
É importante que o professor participe das decisões políticas que acontecem no âmbito escolar e na sociedade, pois é um momento propício para transformações desejáveis na escola e na comunidade escolar, na medida em que cada profissional da educação se coloque como agente transformador e formador de conceitos, opiniões e decisões, fortalecendo sua atuação, superando e articulando ações que consolidem direitos e deveres, investindo no continuo diálogo para criar estratégias de melhorias na prática profissional e na qualidade de vida.
Concluímos que as políticas educacionais devem enfatizar práticas sociais de promoção da saúde no trabalho docente, reforçando os suportes afetivos sociais que proporcionem, ao indivíduo, condições de desenvolver estratégias de enfrentamento em vez de adaptações automáticas, como vem prevalecendo.
Entendemos que as ações de promoção à saúde mental devem envolver mudanças nos valores, atitudes e comportamentos e, portanto, mudanças na cultura da organização. É fundamental o compromisso dos líderes da organização a participação dos trabalhadores em todos os níveis.