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A arte de Rodolfo Bader Filho espaço da ilustração

Arte e vida estão intimamente relacionadas às experiências que vivi durante a infância e a adolescência nesse rincão verde da Amazônia Sul Ocidental.

Aprendi no cotidiano familiar a conviver e a dialogar com a imaginação criadora de Rodolfo Bader Filho que com suas telas e pincéis dava forma aos entes míticos da floresta que expressam o mundo interior dos seringueiros.

Esses trabalhadores da floresta que mergulhados na imensidão das matas criam e recriam imagens que corporificam suas crenças, tradições, modos de vida… na envolvente dinâmica do ser humano com a natureza, tendo como perspectiva descobrir, nominar e dominar as forças vivas do mundo natural em que estavam inseridos, impelidos pela histórica necessidade humana de explicar a própria existência e os universos circundantes, construindo a partir dessa prática cultural a concepção mítica do cosmo amazônico povoado de seres imaginários que significam e re-significam, nos âmbitos da memória e da oralidade, a dialética da vida, os ecossistemas.

E, nesse sentido, a “escuta do outro” na vivência do seringal possibilitou que os relatos das histórias dessas entidades fossem processados pela consciência possibilitando que da sensibilidade e criatividade do artista Rodolfo Bader, esses entes emergissem com seus formatos, ritmos e sentidos na paisagem amazônica.

Na contemporaneidade quando se discute a questão da sobrevivência do planeta terra e das múltiplas formas de vida nele existente, contemplar a obra de Rodolfo Bader Filho nos faz repensar a relação sociedade e natureza e o quanto nós humanos no afã de extrair o máximo dos recursos naturais utilizamos práticas predadoras que, se de um lado se mostraram lucrativas, do outro assinalam que no curso do tempo a humanidade foi perdendo a compreensão de que é parte integrante de uma longuíssima evolução natural. Urge desinstrumentalizar a razão

Na condição de produto e sujeito da história da natureza conseguimos sobreviver às mutações que compreendem milhões de anos graças à infinita capacidade inventiva do ser humano. Por sua vez, as produções dos bens culturais resultam dos avanços nos campos das ciências e das tecnolo-gias e assinalam diferentes perspectivas de apreender e representar as realidades materiais e simbólicas.

Encantar-se com a beleza e traduzi-la com diferentes olhares é algo essencial a psiquê humana por exercitar a capacidade de sentir, de revelar idéias, crenças, costumes, medos e sonhos…Não é mérito de uma formação acadêmica nas belas artes.

E, Rodolfo Bader Filho, autodidata, com sua arte intuitiva, telúrica, sensitiva e natural expressa os princípios do fazer arte, demonstrando suas preocupações quanto à dimensão cultural do ser cidadão, ao destacar os seguintes aspectos: ter direito a um passado, a memória, é uma expressão de cidadania; a importância de registrar a fauna, a flora e o cotidiano da gente simples da floresta para as gerações futuras; dar livre expansão ao sentimento de pertencimento a uma terra e a uma gente é contribuir para o reconhecimento e valorização das identidades existentes no chão acriano; o civismo deve ser valorizado na formação do cidadão, o que implicou em representar no mapa do Acre, os locais de combate durante a Revolução Acreana, exaltando a epopéia de anexação do Acre ao território brasileiro, bem como personalidades da política nacional; e conhecer, repensar e recriar o passado é uma exigência para projetar o presente.

Outro aspecto a destacar na criação artística de Rodolfo Bader Filho, em relação às entidades míticas que constituem o panteão dos deuses da floresta é considerar a mãe – da – mata, mãe -da-floresta, ente macro e natural dos signos da cultura mental do seringueiro, ensejando a configuração de uma cosmologia, na qual esses entes amazônicos representam um ciclo vital, o sistema de referências em torno do qual a vida se reproduz.

Possuidor de diversos talentos quanto à criação no contexto das artes, Rodolfo Bader Filho, desenhista por profissão, nasceu em 14 de março de 1925, de pai libanês e mãe peruana, no seringal Minas Gerais, localizado no Alto Purus, pode ser considerado um precursor das artes plásticas no Acre, notabilizando-se a partir da década de 1960 pela realização de exposições obtendo prêmios locais e nacionais. A título de ilustração ressalta-se que durante as comemorações do décimo aniversário da elevação do Acre a Estado, apresentou à comunidade rio-branquense mais de 50 telas. Acrescenta-se  também, o fato de ter sido prefeito do município de Santa Rosa, conforme Decreto de nº 57, de 10 de abril de 1966.

Portanto, a exposição a ser realizada no hall do Teatro Plácido de Castro, no dia 28 de abril do corrente, integrando a programação da solenidade de apresentação dos novos membros da Academia Acreana de Letras, a saber: Glória Perez Francisco Gregório Filho Edson Ferreira de Carvalho Moisés Diniz; e Margarete Edul Prado de Souza Lopes oportuniza divulgar junto à juventude acervos que constituem o patrimônio histórico e cultural da gente e do povo do Acre.

* Pedagoga e pesquisadora da área ambiental, docente da Ufac e membro da Academia Acreana de Letras

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