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Fronteira entre o pensamento e a linguagem

Faz-se uma reflexão do que seja pensamento e linguagem. Será que os dois caminham juntos? Em que momento da vida o ser humano começa a pensar? Segundo Vigotsky existe uma fase pré-linguística no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no desenvolvimento da fala. O balbucio, o choro da criança e mesmo suas primeiras palavras são claramente estágios do desenvolvimento da fala e não têm nenhuma relação com a evolução do pensamento. Essas manifestações, geralmente, têm sido consideradas uma forma de comportamento predominantemente emocional, que caracterizam a fase pré-linguística da fala.

Estudos científicos asseguram que as primeiras formas de comportamento da criança, bem como as suas primeiras reações à voz humana mostram que a função social da fala já é aparente durante o primeiro ano de vida, isto é, na fase pré-intelectual do desenvolvimento da fala. Cientistas observam que mais ou menos aos dois anos de idade as curvas da evolução do pensamento e da fala, até então viviam separadas, encontram-se e unem-se para iniciar uma nova forma de comportamento.

O estudioso Stern mostrou como a vontade de dominar a linguagem segue-se à primeira percepção difusa do propósito da fala, quando a criança “faz a maior descoberta de sua vida”, a de que “cada coisa tem seu nome”. (Stern apud Vigotsky, 2000a, p.53). Nesse momento o pensamento torna-se verbal e a fala torna-se racio-nal. Esse instante crucial, em que a fala começa a servir ao intelecto, e o pensamento começa a ser verbalizado, é indicado por dois sintomas objetivos inconfundíveis: (1) a curiosidade ativa e repentina da criança pelas palavras, suas perguntas sobre cada coisa nova; e (2) a conseqüente ampliação de seu vocabulário, que ocorre de forma rápida e aos saltos.

Ao refletir sobre linguagem e pensamento, ocorre à mente que diferentes línguas possuem estruturas lexicais e sintáticas diversas. Essa multi-plicidade, geralmente, reflete as diferenças no ambiente físico e cultural no qual as línguas surgiram e se desenvolveram. Um conceito relevante a essa questão é o do determinismo lingüístico, também chamado de hipótese Sapir-Whorf, que afirma que os pensamentos das pessoas são determinados pelas catego-rias permitidas pela língua, e na sua versão mais fraca, a relatividade linguís-tica, afirma que as diferenças entre as línguas causam diferenças nos pensamentos de seus falantes.

Nas palavras de Pinker:
“Na qualidade de cientista cognitivo posso me dar o direito de ser presunçoso e afirmar que o senso comum está correto (o pensamento é diferente da linguagem) e que o determinismo linguístico é um absurdo convencional”. (2002, p.75)

“Mas isso é falso, completamente falso. A ideia de que o pensamento seja a mesma coisa que a linguagem é um exemplo do que se pode chamar de absurdo convencional: uma afirmação totalmente contrária ao senso comum, mas em que todos acreditam porque têm uma vaga lembrança de tê-la escutado em algum lugar e porque ela tem tantas implicações. […] Todos tivemos a experiência de enunciar ou escrever uma frase, parar e perceber que não era exatamente o que queríamos dizer. Para que haja esse sentimento, é preciso haver um ‘o que queríamos dizer’ diferente do que dissemos. Nem sempre é fácil encontrar as palavras que expressam adequadamente um pensamento”. (PINKER, 2002, p.62)

Para Vygotsky (1991), o pensamento e a palavra não são ligados por um elo primário, mas, ao longo da evolução do pensamento e da fala, tem início uma conexão entre ambos, que se modifica e se desenvolve. Segundo ele, o fato mais importante revelado pelo estudo genético do pensamento e da fala é que a reação entre ambos passa por várias mudanças. O progresso da fala não é paralelo ao progresso do pensamento. As curvas de crescimentos de ambos cruzam-se muitas vezes; podem atingir o mesmo ponto e correr lado a lado, e até mesmo fundir-se por algum tempo, mas acabam se separando novamente. Isso se aplica tanto à filogenia como à ontogenia.

Com base na abordagem genética do desenvolvimento da linguagem, Vygotsky (in SOUZA, 2001) observa que o pensamento da criança pequena inicialmente evolui sem a linguagem; assim como os seus primeiros balbucios são uma forma de comunicação sem pensamento. Entretanto, já nos primeiros meses, na fase pré-intelectual, a função social da fala já é aparente: a criança tenta atrair a atenção do adulto por meio de sons variados. Até por volta dos dois anos, a criança possui um pensamento pré-linguístico e uma linguagem pré-intelectual, mas a partir daí, eles se encontram e se unem, iniciando um novo tipo de organização do pensamento e da linguagem. Nesse momento, surge o pensamento verbal e a fala racional. A criança descobre que cada objeto tem seu nome e a fala começa a servir ao intelecto e os pensamentos começam a ser verbalizados.

Para concluir a reflexão, diz com Vygotsky que o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, pelos instrumentos lin-guísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural de cada pessoa. Nós, seres humanos, somos espelho e historicidade de nossa evolução. Daí a importância da linguagem e do pensamento na vida social de toda e qualquer comunidade humana. Uma palavra vazia de pensamento é uma coisa morta, por outro lado um pensamento despido de palavras é uma sombra.

DICAS DE GRAMÁTICA
VENDA À PRAZO ou  VENDA A PRAZO?
– Não existe crase antes de palavra masculina, a menos que esteja subentendida a palavra moda: Salto à (moda de) Luís XV. Nos demais casos: A salvo, a bordo, a pé, a esmo, a cavalo, a caráter. Logo, a expressão correta é Venda a prazo.

QUEBROU O ÓCULOS ou QUEBROU OS ÓCULOS?
– Concordância no plural: os óculos, meus óculos. Da mesma forma: Meus parabéns, meus pêsames, seus ciúmes, nossas férias, felizes núpcias.

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Membro da Academia Acreana de Letra; Membro da Academia Brasileira de Filologia; Professora Visitante Nacional Sênior – Capes/Ufac.

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