Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e publicado na revista PLoS One indica que frentistas de postos de revenda de combustíveis estão sujeitos a prejuízos na visão em função da exposição diária e prolongada aos solventes contidos nestes combustíveis. Segundo o estudo, os efeitos mais evidentes desta exposição são a diminuição na capacidade de discriminar cores, contrastes e diminuição do campo visual.
Embora nos países mais desenvolvidos o abastecimento de combustíveis seja feito pelo sistema self-service, no Brasil a maioria dos postos de combustíveis contrata trabalhadores exclusivamente para este serviço, os frentistas. A jornada diária dos frentistas é de 8 horas e durante esse período eles são expostos de forma direta e prolongada a solventes e outras substâncias tóxicas existentes na gasolina, diesel e etanol. A principal forma de exposição é a inalação de vapores exalados por estes combustíveis e a absorção através dos olhos e mucosas do nariz e da boca.
No Brasil inexistem normas de segurança para regular a exposição dos frentistas à mistura de substâncias presentes nos combustíveis e, como pode ser observado em todos os postos de revenda de combustíveis do país, quase nenhum frentista é visto utilizando equipamentos de proteção individual (EPI).
É sabido que a qualidade e a composição da gasolina e do diesel comercializados no mundo são variadas. No Brasil, por exemplo, a gasolina e o diesel contêm em sua composição uma mistura de solventes orgânicos, em sua maioria benzeno, tolueno e xileno, cuja finalidade é aumentar a octanagem ou poder calorífero desses combustíveis. A neuro-toxicidade do benzeno, tolueno, xileno e etanol é bem conhecida e estudada e os perigos derivados da exposição ocupacional excessiva a estas substâncias já foram objeto de estudos e publicações científicas.
A pesquisa realizada no Brasil avaliou 25 frentistas, submetidos previamente a entrevistas anaminésicas e completo exame oftalmológico para assegurar que não fossem portadores de alteração estrutural na córnea, no cristalino ou no fundo do olho. Durante a seleção dos participantes foram excluídos fumantes, alcoólatras, usuários contumazes de drogas, e portadores de doenças neurológicas e psiquiátricas. Todos os selecionados trabalhavam como frentistas há pelo menos um ano e o histórico de emprego prévio em postos de combustíveis dos frentistas avaliados indicou uma média de 9,6 anos em regime de 8 horas diárias e 6 dias por semana. Todos os postos de combustíveis empregadores dos frentistas avaliados eram licenciados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). Para efeitos de comparação e controle dos resultados das avaliações dos frentistas, um grupo de controle, formado por pessoas saudáveis e que nunca trabalharam em postos de venda de combustíveis ou foram expostas, direta ou indiretamente, de forma recorrente e prolongada a combustíveis, foi submetido aos mesmos exames aplicados aos frentistas.
Para avaliar as perdas visuais, os trabalhadores foram submetidos a uma nova metodologia que detecta problemas na visão que normalmente passam despercebidos nos exames oftal-mológicos convencionais. Foram usados testes psicofísicos computadorizados para determinar a capacidade de discriminar cores e contrastes, e o campo visual. Exames de eletrorretinograma foram realizados para avaliar a atividade elétrica da retina.
O resultado do estudo mostrou que o desempenho dos frentistas nos testes médicos a que foram submetidos foi significativamente inferior quando comparado ao do grupo controle. Foram verificadas extensas e difusas alterações em todos os testes de cores e contrastes, comprometendo a capacidade de discriminação cromática e acromática dos frentistas. Em quatro deles a incapacidade de discriminação de cores foi tão evidente que testes genéticos para descartar possibilidades de daltonismo foram realizados. A análise estatística mostrou também que a perda de campo visual e a degeneração na capacidade de discriminação de cores por partes dos frentistas estão diretamente correlacionadas com o número de anos trabalhados como frentistas, sugerindo que uma história mais longa de trabalho leva a maiores perdas na visão.
Os autores comentam que as alterações detectadas na visão dos frentistas são robustas e significativas, mas não deixam de ressaltar a variabilidade substancial nos resultados do grupo de frentistas avaliados, cuja idade varou entre 19 e 50 anos, eram provenientes de diferentes postos de combustíveis, tinham diferentes históricos de exposição crônica a combustíveis (entre 1 e 18 anos), e apresentavam possíveis diferenças genéticas que influenciam no metabolismo dos solventes.
Embora admitam que não tenham como medir diretamente a exposição dos frentistas avaliados aos solventes orgânicos, a conclusão dos autores do estudo é de que a exposição a altos níveis de solventes, e sua absorção via mucosas da boca e do nariz, está causando dano neurológico e induzindo mudanças no sistema nervoso dos frentistas.
Em depoimento à revista da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Thiago Leiros Costa, autor principal do trabalho, levanta uma questão muito séria relacionada à insegurança do trabalho realizado pelos frentistas, pois todos os participantes da pesquisa “trabalhavam em postos controlados pela ANP e, em princípio, deveriam estar de acordo com as normas de segurança. Isso sugere que, atualmente, o trabalho de frentista não é tão seguro quanto o proposto. Se os solventes estão de fato afetando o cérebro, não é apenas a visão que está sendo comprometida”. Na opinião do pesquisador, a mesma situação se aplica a trabalhadores de indústrias gráficas e de tintas com exposição crônica a solventes orgânicos.
Para saber mais:
Sugerimos os leitores a ler o artigo “Long-Term Occupational Exposure to Organic Solvents Affects Color Vision, Contrast Sensitivity and Visual Fields”, de T. L. Costa, M. T. S. Barboni, A. L. A. Moura, D. M. O. Bonci, M. Gualtieri, L. C. L. Silveira e D. F. Ventura, Publicado on line pela revista científica PLoS One, disponível no link: http://www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0042961
* Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do Inpa e do Parque Zoobotânico da Ufac.