Não faz muito tempo, talvez no começo ano passado, escrevi daqui mesmo deste espaço, que pairava sobre os habitantes das cidades do Estado do Acre, afetadas pela avassaladora enchente do seu principal rio, um sentimento de total impotência. Naqueles dias a impressão que decorria era a de que estavamos todos assustados e sem defesa diante das circunstâncias. Poucos eram os que encontravam motivação para darem seguimento às suas atividades rotineiras, que já era duríssima antes daquele acontecimento súbito, apesar de previsível, de consequências trágicas e calamitosas.
As pespectivas eram, inegavelmente, sombrias para as aproximadamente 133 mil pessoas alcançadas por aquela mazela advindas da “cheia”. Prefeitos das cidades atingindas, especialmente do interior do Estado viveram um verdadeiro conflito de consciência: caminhavam da perplexidade à letargia. Alguns deles completamente desorientados.
Por outro lado, mesmo sendo notório o desânimo das autoridades competentes, parecia que a partir daquele momento iriam finalmente queimar as próprias pestanas tendo em vista debelar essa situação de moradias em áreas de risco. Não era sem tempo, visto que diante da realidade cruel da situação, todos tinham ideias claríssimas e poderiam prever de antemão as consequências “presentes e futuras” dos males que atingiam os que residiam especialmente em Rio Branco, à beira rio. Qualquer incauto poderia antecipar, por experiência, o que ainda viriam de mazelas, se providências não fossem tomadas, uma vez que, repito exaustivamente, a realidade atingiu naquele ano patamares insuportáveis.
Pedia-se, pelos cantos das cidades, principalmente em Rio Branco o fomento de “debates” incluindo, obviamente, todos os segmentos da sociedade, notadamente aquele que viveu na pele as agruras do problema. É verdade, também que parte da solução desse problemaço clamava por atitudes governamentais mais rígidas. Bairros como Taquari, p.ex. precisavam ser repensados quanto a sua continuidade. Pedia-se, dos nossos governantes, que não caíssem na mesmice dos debates simplórios de anos idos, que deixassem de lado a falação besta, os blá-blás-blás inúteis, sobre a criação de programas de inclusão social, educação, etc. Mesmo porque a cheia desproporcional do rio foi, não apenas uma gota d água, mas um dulúvio sobre os que já viviam tremendas agruras existenciais.
Afinal, não podemos esquecer, nem por um minuto, que Rio Branco, ainda detém entre seus filhos, pessoas que inseridas na hierarquia social dos mais pobres. São pessoas que estão “vivendo” em condições econômicas desesperadoras. Famílias que “moram” em situação de risco, palafitas e cafundós e outras localidades sem a menor infra-estrutura, como: água encanada; luz elétrica; esgotos, etc; pobres inditosos que são constrangidos a conviver com jacarés, cobras, mosquitos da dengue e outros bichos; isso para só falar da realidade de algumas periferias da cidade. O lado cruel é que estas localidades servem de verdadeiras cafuas, esconderijos, antros de marginais agregados aos crimes de estupro, assaltos, drogas e prostituição generalizada. As pes-soas humildes, mas de bem, que residem nessas localidades, estão totalmente vulneráveis, em termos de segurança, e privados de mínimas condições de sobrevivência.
Com a “cheia” deste ano eis que as agruras do povo, no mesmo lugar, nas mesmas circunstâncias, estão de volta, agora elevadas ao quadrado, com a subida devastadora do Rio Madeira, inviabilizando o tráfego na BR-364, com consequências drásticas para o Estado do Acre. Neste quesito, o trágico é constatar o deter-minismo legal do atual Governo Federal que, igual aos seus antecessores, fazem “ouvido de mercador” aos apelos de uma região carente, e não se digna a construir uma simples ponte que traria benefícios permanentes às últimas fronteiras do Brasil. Entretanto, o Governo Federal fez investimentos graúdos na construção de estádios ou “novas arenas” tendo em vista a Copa de 2014, uma disputa de jogos de futebol. Estádios como Maracanã, RJ e o Mané Garrincha, DF levaram dos comba-lidos cofres públicos a soma astronômica de 2 bilhões de reais. A propósito, outro dia, o ex-fenômeno Ronaldo Nazário, satirizou um mundo de gente, dizendo que não se faz Copa de futebol construindo hospitais. Nesse caso, ironicamente, poderíamos dizer: muito menos, pontes! Embora, esta sobre o Rio Madeira, seja de vital importância.
Então, senhores governantes, quanto a vós, não dá mais para tergiversar. Em outras palavras: Voltar às costas para o problema. Usar de rodeios ou evasivas; empregar subterfúgios. Não tem fantasia, pois o carnaval ainda nem começou. Agora é colocar “a faca entre os dentes” e ir à luta. Os senhores governantes sabem que, no “frigir dos ovos” o cidadão está cansado de conviver com todo tipo de violência e, além disso, ter ainda que se moldar à ferocidade de certos governos, que vivem a favorecer uns poucos em detrimento de muitos; do partido político demagogo; da lei do mais forte contra o mais fraco; do sistema financeiro que leva o homem a ser explorador do próprio homem; dos arruinados sistemas de saúde, educacional e carcerário.
* Francisco Assis dos Santos é pesquisador bibliográfico em humanidades.
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