Habita na natureza humana um justificável sentimento de altivez que inspira o poeta a exultar, com zelo sacerdotal, sua gente e sua “aldeia”. Mas no nosso sin-gularíssimo caso, admirando o fulgor da nossa História, o que fazemos aqui é asseverar o óbvio: que o povo acreano tem motivos sobejos para se orgulhar dos seus ancestrais e dos hercúleos esforços que despenderam para que hoje pudéssemos ser brasileiros. Na tentativa de alimentar o clarão do enunciado, nos serviremos, inicialmente, de pesquisas realizadas por um grupo de antropólogos espanhóis e islandeses, em consórcio com a famosa empresa Code Genetics e publicadas originalmente em 2010, no The Official Journal of the American Association of Physical Anthropologists, a partir de exaustiva investigação e análise de rastros de DNA mitocondrial encontrado nas Américas.
Com fundamento nos citados vestígios, os estudiosos encontraram indícios de que o primeiro homem a pisar no solo brasileiro, por nossas palavras, caminhou inicialmente no Acre, há uns 30 mil anos, buscando novas terras e fugindo, possivelmente, das intempéries de uma possível era glacial. Provavelmente, essa história começou na África, quando o homem africano atravessou o Mar Mediterrâneo e se uniu – por instinto de preservação – ao homem europeu, russo e chinês, em caravana com destino a Sibéria (Ásia) e, a partir do Cabo Dezhnev (ponto extremo oriental do Continente Asiático), em grupo, atravessaram os 85 km do estreito de Béring até chegarem ao Cabo Prince of Wales (ponto extremo ocidental do continente americano, no Alaska, América do Norte). Dali a incursão continuou sua rota buscando novas terras, tomando a direção Sul, rumo a América Central, unindo, no caminho, suas raças e culturas às dos povos anahuac, incas, maias, astecas, toltecas, dentre outros.
Mais além, na trajetória da caravana, provavelmente, quando aquela mescla de povos alcançou a região setentrional da Cordilheira dos Andes, por afinidade cultural e linguística, alguns grupos seguiram em direção ao território do atual Chile; outros rumaram para as terras onde hoje é o Acre, deixando, no caminho, importante vestígio idiomático, médico, arquitetônico e demais traços da sua mescla cultural e genética com as civilizações autóctones – desta vez – da América do Sul. Só então, decorrido um tempo para adaptação e reconhecimento da “Terra dos Grandes Geoglifos”, o Acre, é que a miscigenação descendente daqueles povos alcançou à região central do Brasil e, mais posteriormente, ao extremo Leste do “Florão da América”, na plenitude dos seus 7,367 km de orla marítima.
Apenas por justiça e referência a exuberância das nossas raízes antropológicas, – longe de querermos diminuir a história dos demais estados brasileiros, nem confeitar nossa torta com a cereja dos outros – apenas ilustramos aqui, mais um contraste que dá grandeza a nossa História; a exemplo, o gaúcho fez a sua famosa Guerra dos Farrapos (1835-1845), movimento que não foi popular, nem de esfarrapados, mas de grandes fazendeiros que queriam diminuir o poder imperial, aumentando a autonomia provincial, pagando menos impostos, principalmente sobre o charque – à época, o produto principal da economia guasca.
Conforme exemplificamos, salta à claridade da História do Brasil o fato de que importantes estados da federação fizeram revoluções visando justos ou injustos interesses locais. Interesses que, de algum modo, colocaram em risco a unidade nacional. O Estado do Acre, não! O caso do Acre é diferente porque os acreanos fizeram quatro anos de revolução para agregar ao Brasil o território que hoje é o Acre (uma área estrangeira e inóspita – cinco vezes o tamanho da Bélgica), enfrentando e afrontando, no devido tempo – com armas em punho – o isolamento, a fome, a Bolívia, o Peru e ao próprio Brasil. Isso porque em julho de 1899, o Brasil interveio no conflito do primeiro período da Revolução Acreana e, além de não apoiar os revolucionários acreanos sequio-sos pelo status de brasilidade, ainda reconheceu a região do Acre como território boliviano, enviando tropas brasileiras para dissolver aquela etapa da Revolução, inclusive prendendo e deportando a Luiz Gálvez Rodríguez de Arias – líder maior daquela fase da revolução e da República Independente do Acre. Tamanha foi a decepção que o Imperador se entregou pacificamente, sem armas, porque não queria guerrear contra brasileiros.
Conforme vimos, por sua Antropologia e legado histórico valente, o Acre é uma terra valorosa. O acreano que aqui ficou é, acima de tudo, um bravo sobrevivente. Por isso, este artigo enaltece o Acre e sua gente que, apesar dos tropeços de ontem e os de hoje não recua e não cai, avançando, cotidianamente, sem temor, na peleja pela sobrevivência, nestas terras esplêndidas que, parafraseando Galeano, poderia dar a todos, o que a quase todos nega.
* Renã Leite Pontes é escritor e poeta; Membro Vitalício da International Writers end Artists Association – IWA, Toledo, Ohio, USA; Membro Honorário do Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais – IMBRASCI, RJ; Membro Fundador da Academia dos Poetas Acreanos; Professor de Educação Física, no Acre.