A primeira década do século XXI foi a mais quente desde que dados climáticos confiáveis passaram a ser coletados a partir de 1880 e o ano de 2014 é considerado o mais quente deste período. Nesses 132 anos a população do planeta aumentou de 1,3 para 7,1 bilhões de pessoas e para suportar esse incremento de habitantes, fontes de energias não renováveis e altamente poluidoras (ex. carvão mineral, gás natural e combustíveis derivados do petróleo) passaram a ser intensamente consumidas. Para abrigar o excesso populacional, ambientes naturais importantes para o controle de variações climáticas (p. ex., florestas) foram e continuam a ser destruídos de forma acelerada, dando lugar a cidades e áreas agrícolas e industriais. O resultado foi um aumento na emissão de CO2, um gás reconhecido como causador do efeito estufa (ou aquecimento global), de cerca de 240ppm em 1850 para cerca de 400ppm em 2014. A maior parte desse aumento deriva da queima de combustíveis fósseis, concentrada em países desenvolvidos, e de mudanças no uso da terra (destruição de florestas) em países em desenvolvimento.
A temperatura média no planeta aumentou nos últimos 100 anos e para os céticos é difícil negar que mudanças climáticas não estejam em curso. Segundo José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), aumentos dos extremos de temperatura podem levar a um aumento nos desastres naturais associados à agua. Segundo o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), a ocorrência de desastres naturais no Brasil – especialmente aqueles associados à água – aumentou mais de 200% nas duas últimas décadas. Para Carlos Nobre, coordenador do instituto, o clima no país deverá ser igual ou pior do que presenciamos hoje, com mais mudanças, variabilidade e desastres naturais.
Para remediar as alterações ambientais e controlar a emissão de gases causadores do efeito estufa é necessário um acordo entre os principais países emissores desses gases e recursos financeiros para a recuperação ambiental. Mas mesmo que os acordos fossem feitos e os recursos dispo-nibilizados, o tempo para que a situação ambiental do planeta volte a ficar equilibrada é longo. Em um contexto de pouco sucesso dos esforços capitaneados pela ONU, a condição climática no planeta, com a ocorrência de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, só piora ano após ano.
Para muitos pesquisadores e uns poucos governantes, a melhor saída por agora é se adaptar às novas condições e procurar minimizar os efeitos da ocorrência desses eventos climáticos extremos: é necessário prevenir e agir para diminuir o impacto desses eventos na população e nas atividades econômicas. Mas o que é necessário para que essa prevenção seja efetiva?
Em dois artigos publicados em janeiro passado nesse periódico, o Dr. Foster Brown, pesquisador do Woods Hole e do Parque Zoobotânico da UFAC, o tenente-coronel George Luiz Pereira Santos, coordenador da Defesa Civil Municipal de Rio Branco, e Rachel Helena Mesquita de Farias, membro do Grupo de Gestão de Risco de Desastres do Parque Zoobotânico da UFAC, listaram alguns passos indispensáveis para esse trabalho de prevenção, dos quais ressaltamos os seguintes:
a) Fazer com que a redução dos riscos de desastres seja uma prioridade;
b) Conhecer os riscos e manter a população atualizada sobre os mesmos;
c) Reduzir os fatores fundamentais do risco, incluindo o cumprimento dos regulamentos referentes ao planejamento do uso e ocupação do solo;
d) Estar preparado e pronto para atuar no caso da ocorrência do evento.
Prejuízos decorrentes de inundações provocadas por rios parecem ser os desastres naturais mais significativos no Acre. A atual cheia do Rio Acre é relevante por ter sido a maior da história e se destaca por ter acontecido apenas três anos após outra cheia igualmente significativa ocorrida em 2012. Aliás, é preocupante que inundações nas quais o ‘estado de emergência’ tenha sido declarado em Rio Branco estejam ocorrendo anualmente desde 2009. Diante dessa ‘coincidência’ de eventos extremos é difícil argumentar que os mesmos não estejam relacionados a mudanças ambientais promovidas pelo homem no âmbito local, regional e global.
Considerando que não é possível controlar os fatores climáticos, resta, no caso das inundações que ocorrem no Acre, agir para minimizar suas intensidades e prejuízos econômicos. É possível, por exemplo, atuar para diminuir o assoreamento do leito de alguns rios, combater a impermeabilização do solo nas áreas de infiltração nos perímetros urbanos e desobstruir córregos e igarapés que drenam estas áreas. Da mesma forma, é perfeitamente possível remover a maioria dos moradores que ocupam áreas inundáveis e que são, ano após ano, vítimas contumazes dessas inundações.
Falar é fácil, podem pensar com razão alguns leitores, mas a diminuição dos impactos socioeconômicos decorrentes das inundações no Acre não foge muito do que está colocado acima. Não falta sequer massa crítica local para atuar na resolução dos problemas. Temos um corpo de engenheiros dos mais diversos campos totalmente qualificado para elaborar e coordenar a execução dos projetos técnicos necessários.
Infelizmente a ação efetiva dos administradores públicos nem sempre está voltada para a prevenção porque cumprir alguns dos passos citados acima, especialmente o item ‘c’, os coloca inevitavelmente em rota de colisão com interesses eleitorais. Li em outra publicação que ‘o sistema de gerenciamento público de desastres naturais no país não incentiva a prevenção destes problemas, já que à medida que ocorre a inundação o município declara calamidade pública e recebe recursos a fundo perdido e não necessita realizar concorrência pública para gastar. Como a maioria das soluções sustentáveis passa por medidas não estruturais que envolvem restrições à população, dificilmente um prefeito buscará este tipo de solução porque geralmente a população espera por uma obra’.
A cheia do Rio Acre em 2015 deixou um rastro significativo de destruição e prejuízos na região leste do Estado. Diante disso, é hora dos administradores das cidades atingidas, com o apoio dos governos Estadual e Federal, deixarem de lado a miopia eleitoral representada pelo pleito municipal que se aproxima, e agir em favor da adaptação de suas cidades aos eventos climáticos extremos que se anunciam e são inevitáveis nos próximos anos.
Chega de investir – agora praticamente anualmente – os parcos recursos financeiros das cidades em trabalhos de remoção e apoio às vítimas de desastres naturais cujos efeitos podem ser minimizados. Embora o assitencialismo tenha forte impacto eleitoral, as obras – ruas pavimentadas, redes de água e esgoto, praças, creches – tem impacto muito maior. Fica a dica.
*Evandro Ferreira é engenheiro agrônomo e pesquisador do INPA/Parque Zoobotânico da UFAC