Ao se deparar, em terras acreanas, com a situação calamitosa das regiões afetadas pela enchente do Rio Acre, versão 2015, o Ministro da Integração Nacional (!?) Gilberto Occhi fez uma declaração emblemática: “É de doer ou partir o coração!”
O choque do senhor ministro pelo que viu, em proporções menores, foi igual a impressão colhida da catástrofe da região serrana do Rio de Janeiro, ocorrida em 2011, quando pequenas cidades foram soterradas, por conta também das fortes chuvas.
Para quem testemunhou o fato, não somente algumas autoridades, o espanto foi geral e a palavra de ordem era: SOFRIMENTO E DOR. Repórteres de telejornais, jornais e revistas famosas esbanjaram palavras sinônimas para explicar o sofrimento do povo das cidades afetadas pelos deslizamentos: angústia, aflição, amargura, desgraça, etc. O Brasil inteiro, em voz uníssona, dizia: A
DOR É GRANDE!
Este articulista, na época, dentre tantos brasileiros, ousou em pousar um olhar conceitual e reflexivo sobre o infortúnio das famílias, independente do nível social, daquelas pequenas cidades serranas. Saltava aos olhos a sociabilidade espontânea e comovente, numa união quase associativa, dos que foram diretamente afetados pela tragédia. Foi uma comoção geral de solidariedade física, espiritual e psicológica de uns para com os outros, alguns sepultaram seus próprios mortos. Solidariedade que sobrepujou a fraternidade universal e se particularizou na “ternura parentesca” como se todos fossem da mesma família, do mesmo sangue. Tal garra associativa só encontramos nos seus rudimentos, entre as abelhas e as formigas ou entre os cavalos selvagens em perigo que unem cabeça com cabeça, formando um cordão sanitário de coices. Essas espécies, para minha vergonha, continuam destacadamente mais sociáveis do que a “sociedade de homens e mulheres da era cibernética”. Admirável igualmente, num mundo de homens extremamente egoístas, foi constatar que em meio a tanta desgraça, sobejou entre os inditosos grande benevolência; tanta bondade contrastando com tão pouca justiça. Provavelmente porque a bondade é resultado dum altruísmo espontâneo, e a justiça depende de raciocínio e julgamento. Essa surpreendente boa ação, em detrimento da justiça, se assemelha a doçura do coração de uma mãe por seu próprio filho, na maioria das vezes, é universal, as mulheres mães são, em relação a seus filhos infelizes, menos justas e abundam em boas ações.
No entanto, o que é sofrimento ou a dor? Penso que o problema do sofrimento humano é assunto, antes de qualquer ciência, da filosofia.
Filosoficamente, sofremos quando nos é ou são tirados os prazeres, sejam os naturais e necessários (comer, beber água, dormir, etc.); sejam os naturais não necessários com suas variações supérfluas; sejam os naturais e vãos, como as riquezas e o poder.
Quando estamos acostumados com algum bem-estar e repentinamente perdemos, principalmente de forma trágica como foi o caso dessas famílias que viram anos de trabalho ser arrastados em poucos minutos pela violência das águas em grande volume e velocidade levando tudo e a todos de roldão, trazendo destruição e morte, então sofremos.
Tem ao mesmo tempo a questão afetiva: a casa e o lugar ou qualquer outro bem de consumo; os animais de estimação; a pessoa amada que se vai porquanto quis ir ou porque morreu. Essas perdas nos trazem pequenos e grandes sofrimentos. O sofrimento dessas famílias, especialmente das mais abastadas, da região serrana foi e continua grande, porque viviam prazerosamente, e quanto maior for o deleite perdido, maior a dor ou o sofrimento. Em outras palavras, o sofrimento humano é ocasionado pela privação daquilo que nos traz felicidade, prazer ou alegria: a prisão é a negação da liberdade; a morte é a privação da vida; a fome é a ausência do alimento; a sede é a privação do saciar-se com a água; a escuridão é a privação da luz; o caos é a negação da ordem; a doença no corpo humano é a falta de saúde plena; etc.
Dentre as muitas lições, que essa desgraça pública deixou posso pontuar, além das impressões acima, duas: a primeira é que a maior força na face terra, ainda é á força de vontade de homens e mulheres de bem. A segunda é que a cada dia aumenta, nos fortes, nos poderosos e nos espertos sem escrúpulos, a capacidade de manipulação e os meios de escravizar os fracos. Realidade que nos remete a uma urgente necessidade de se estabelecer uma moral capaz, como queria o filósofo Emmanuel Lévinas, de proteger o homem contra o próprio homem.
Voltando ao assunto do transbordar do Rio Acre e suas consequências desastrosas, o espantoso, com toda a certeza, é saber que daqui a poucos dias, ouviremos das autoridades, ecoa- do pelos meios de comunicação, falácias do tipo: O pior já passou. Agora é trabalhar, pois a vida continua!
*Pesquisador Bibliográfico em Humanidades.
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