Desde o dia em que chegou ao consultório, anunciou o quanto detestava aniversários. E não era um detestar tranquilo. A coisa era grande. Qualquer parabéns ou menção da data era capaz de acionar as lembranças mais dolorosas e fazê-lo reviver toda sorte de experiências duras que teve na infância. Ele cuidava para que isso não acontecesse. Tentava. Se chegava a um trabalho novo, avisava da questão no RH, se se tornava mais próximo de alguém, contava sobre seu limite, no facebook, tratou de apagar de pronto a informação. Mas era difícil fazer funcionar. E ano após ano, escapavam os parabéns de tudo quanto era lado.
À medida em que avançávamos nas sessões, fui ouvindo seu relato sobre cada uma das vezes em que viu o tempo passar doído quando março se aproximava. Nasceu em março, no terceiro dia do mês, exatamente como eu. Nunca lhe contei sobre a coincidência, mas pensava nela vez por outra. Pensava em como tinham sido as minhas comemorações e na diferença da relação que tínhamos com a data. Eu gosto muito do meu aniversário. Parece besta, mas é quando sinto, de verdade verdadeira, a possibilidade de renovação.
Ontem, recebi uma mensagem sua e fiquei comovida. Já não nos falávamos há algum tempo e ele escreveu querendo voltar. Embora fosse alguém a quem sempre gostei bastante – mesmo – de escutar, não entendi imediatamente a razão do que senti. No fim da noite, li a coluna da Maria Ribeiro na Veja Rio, também coincidentemente mencionada esses dias por aqui. Bonito o texto. Ela dizia de sua mais nova desobediência. Propunha que nós passássemos a ignorar o calendário e inventássemos as nossas próprias datas. Para ela, era ano novo.
Esse não foi o único texto que li sobre um ano novo simbólico que vem visitando o imaginário (corre aqui Lacan) de alguns de nós ultimamente. Ainda na semana passada, ouvi de Babi Amaral o texto da Cris Lisbôa que trata do mesmo tema. Aliás, vocês conhecem essas duas? Se não, procurem conhecer. Tanta gente sabida que a gente encontra por aí, não é?
Toda essa enrolada pra dizer que sinto junto. Sinto com Maria, Babi e Cris que a vida está por recomeçar. Sinto que apesar de ser outubro, em mim, é março. Feliz ano novo para mim, para vocês e para elas. Para meu analisando desejo vida cheia. Cheia de sentido, de sentir, hoje e todos os dias. Desejo a desobediência da Maria e que se queimem todos os calendários. Boa semana queridos.
(*) Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…