A pergunta do título tem uma resposta: depende. Para você ter mais um ano de vida saudável pode valer milhões de reais, mas para um inimigo seu esse ano pode não valer nada.
Mas, precisamos ter respostas, se não no nível individual, pelo menos no nível coletivo, porque a sociedade tem que decidir quanto deve investir em medidas que afetam a longevidade das pessoas, seja através de controle do desmatamento, da saúde pública e/ou da segurança. A fumaça de queimadas, vírus da Covid-19 e homicídios tem algo em comum; eles reduzem a expectativa de vida na nossa sociedade.
Em artigos anteriores, tratamos dos impactos de homicídios e da Covid-19 na mortalidade, sem entrar na questão de longevidade. O foco deste artigo é como traduzir microgramas por metro cúbico, uma medida de fumaça, em algo que podemos entender melhor – anos de vida ganhos ou perdidos.
Primeiro, vamos analisar em mais detalhe o que todo mundo que viveu mais de um ano na Amazônia Sul-ocidental já respirou: a fumaça que vem de queimadas, desmatamento e incêndios florestais. Para fins deste artigo, vamos definir fumaça como material particulado fino misturado com gases, como ozônio e monóxido de carbono e outros poluentes perigosos. Em cidades grandes, material particulado fino pode vir de poeira e de queima parcial de petróleo, carvão mineral ou lixo.
O componente mais importante para saúde humana é o material particulado fino com diâmetro aerodinâmico menor de 2,5 mícrons, abreviado PM2.5 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Este material, quando inalado, pode penetrar no fundo dos pulmões e entrar no sangue onde pode ser transportado para o resto do corpo.
A combustão parcial de carvão e petróleo (plantas fossilizadas) ou de troncos de árvores derrubadas (plantas verdes) libera material particulado fino e compostos irritantes para os sistemas respiratório e cardiovascular. O PM2.5 também afeta a probabilidade de câncer de pulmão, o peso de recém-nascidos e o período de gestação.
O problema de poluição via o PM2.5 já existe aqui no Acre. Neste ano de 2020, tivemos mais de 15 dias em Rio Branco com valores médios diários acima do máximo recomendado por um dia pela OMS, 25 microgramas por metro cúbico.
Portanto, PM2.5 é um problema, aliás um problemão. Segundo uma análise global de doenças feita pela revista médica Lancet este ano, a poluição do ar foi um dos fatores globais de risco que cresceu mais rápido. Mas como fazer este risco se traduzir em algo mais compreensível?
Um grupo de pesquisadores associado a Universidade de Chicago dos EUA analisou dados de PM2.5 e longevidade. O website deles começa com a frase “Quanto mais tempo você viveria se respirasse ar limpo?” Para responder a esta pergunta, os pesquisadores compararam áreas na China que tiveram diferenças nítidas da taxa de queima do carvão que gera PM2.5. Controlando por vários fatores (ajustes estatísticos para deixar os resultados mais claros e confiáveis), conseguiram determinar o impacto de um aumento do PM2.5 que produziu diferenças em termos de longevidade das pessoas. A regra geral foi cerca de 1 ano de vida perdida por cada 10 microgramas por metro cúbico acima de uma referência, neste caso, da OMS de 10 microgramas por metro cúbico, média anual.
O pulo do gato destes pesquisadores foi usar dados de satélite para estimar a concentração de PM2.5 o mundo inteiro e transformá-los em anos de vida para a humanidade. Para usar um contexto mais positivo, os cientistas usaram o ‘ganho’ de vida se conseguirmos baixar a concentração do PM2.5 para o limite recomendado da OMS.
A surpresa desta análise foi que nos anos recentes, a qualidade do ar no Sul da Amazônia ficou bem pior do que na região metropolitana de São Paulo. Um exemplo pode ser visto na figura para o ano de 2005 em que morar na região da Amazônia Sul-ocidental foi mais prejudicial para a longevidade da sua vida do que em megacidades do sul do Brasil.
Baseado no trabalho dos pesquisadores de Chicago, o impacto de morar em partes da Amazônia onde o desmatamento e queimadas são frequentes pode custar entre meio ou mais anos de vida. Para mais de sete milhões de pessoas, isto seria equivalente a mais de três milhões de anos de vida perdidos, talvez muito mais. Se usarmos o valor para um ano de vida saudável mais baixo dos EUA, equivalente a 250.000 reais por ano de vida, três milhões de anos de vida perdidos viram 750 bilhões de reais, ou seja, sofrimento transformado em custo monetário causado pelas derrubadas e queimadas na Amazônia.
Mas será que isto é verdade? Afinal, a relação entre PM2.5 e longevidade foi estudada na China e as concentrações do PM2.5 vêm de satélites. A ciência progride, testando ideias. Para testar este modelo, vamos precisar dados com mensurações locais, sensores que atualmente podem ser instalados por um preço baixo e ligados a Internet. Também, vamos precisar de dados semelhantes aos da China sobre a saúde da população.
Tecnicamente tudo isto é possível, o desafio é dimensionar o problema, ou seja, produzir evidências sobre a magnitude do impacto na saúde. Temos um fator que agrava o impacto – Covid-19 – que aumenta o efeito da fumaça na saúde.
Já temos uma primeira estimativa que os anos de vida perdidos na Amazônia se medem em milhões. Precisamos melhorar essa estimativa com mais evidências, mas já sabemos o suficiente para dizer que limpar a terra significa sujar o ar e tirar vida de pessoas.
Irving Foster Brown – Pesquisador do Centro de Pesquisa em Clima Woodwell, Docente de Pós-Graduação e Pesquisador do Parque Zoobotânico da Universidade Federal do Acre (Ufac).
Odilson Silvestre, Médico, Professor do Curso de Medicina da Ufac.
Paulo Henrique Sampaio Valadares – Médico, Mestrando em Ciências da Saúde na Amazônia Ocidental da Ufac.