Passei mais de um ano sem sair de casa, devido a essa pandemia de coronavírus e outros probleminhas da carne – a carne é fraca mesmo – e, enfim, voltei a sair, depois desse confinamento brutal. Fui conhecer, novamente, a cidade de Rio Branco, que eu já nem me lembrava mais como era.
Nessa minha caminhada de reconhecimento urbano, vi a banca do Pelé. Meu amigo Pelé não mudou, é o mesmo, falo da alma, jeito simples, tranquilo. A banca continua no mesmo local, só mudou a arquitetura, parece uma nave espacial. Encostei para papear e rever o amigo, conversar um pouco. Eu sou bom de conversa. Num discurso, para receber um prêmio de Jornalismo, na categoria charge, meu discurso foi – “Obrigado!”.
Pois bem, fiquei imaginando como ele sobrevive, já que a Internet vem derrubando até avião. Antes que eu abrisse a boca, um jovem casado, com a mulher grávida do lado, perguntou se ele tinha um livreto que o pai sempre lia pra ele quando era criança: “A Peleja de Canção de Fogo com o Diabo”, literatura de Cordel. O Pelé trouxe cinco exemplares. Um outro procurava o mapa da cidade de Rio Branco, e uma criança procurava a revistinha do Mickey. Entendi.
Relembramos dos tempos antigos, em que as crianças e adolescentes trocavam gibis e figurinhas, na porta do cinema. Ôpa! Cinema era coisa pra gente grande, no nosso tempo, que eu também não sou tão novinho… Era matinê, aos domingos, no cine Rio Branco, que fica de frente para a banca de revistas.
“Naqueles tempos, a criança não ficava feito um robô, agarrado no celular”, criticou Pelé. E continuou: “Eu não sei o que é megabites, terabites, megapixels, mas, com a convivência com os impressos – a banca existe desde 1972 -, aprendi muita coisa a respeito de literatura, quadrinhos, música, poesia. É uma universidade empírica isso aqui”, refletiu ele.
Pelé sempre teve fregueses ilustres, que consumiam todos os tipos de “Literatura”, quadrinhos, música, livros. Ele lembra que o Zé Chalub Leite, jornalista autor do livro Tão Acre, o humor acreano de todos os tempos, quando visitava a banca dizia que, para completar, só faltava uma cama, referindo-se às revistas masculinas Playboy, Penthouse, Ele e Ela e tantas outras.
Disse-me também que já foi jogador de futebol amador e defendeu as cores do Independência Futebol Clube. Fã do time dos Camarões que disputou a Copa de 82, batizou um dos filhos com o nome do goleiro N’Kono.
Antes de sair, ele me mostrou ainda um sambinha que fez em cima do poema de Danilo de S’acre, que homenageava Hélio Melo.
Nessa caminhada, eu senti que a cidade ainda pulsava, graças a esses lutadores persistentes. Além de intérprete, o nosso Pelé daqui ainda tá batendo um bolão. Vida longa aos reis!
*DIM é chargista e designer gráfico