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A força das palavras na vida social

As palavras são mais poderosas que a espada. Escolha-as sabiamente.

O texto de hoje traz uma reflexão sobre a força das palavras na vida social e do poder da linguagem como meio de traduzir a vida, compartir com os outros os pensamentos, sentimentos, emoções.

Aristóteles lê o homem como animal político (social e cívico), pois somente ele é dotado de linguagem. Animais têm voz, exprimem dor e prazer. Os homens possuem palavras e exprimem valores que viabilizam a vida social e política. Para Platão a linguagem é um pharmakon: remédio, veneno e cosmético.

Na Bíblia Sagrada, a palavra tem força criadora, pois no princípio era o verbo; com a palavra tudo foi feito (“Faça-se a luz….. e a luz foi feita”). Sobre a Torre de Babel, fica-se a saber que Deus lançou a confusão entre os homens, fazendo com que perdessem a língua comum e passassem a falar línguas diferentes, que impediam uma obra em comum, abrindo as portas para todos os desentendimentos e guerras.

Vê-se, desde logo, que a linguagem nasceu da necessidade de expressão e comunicação. Linguagem é forma propriamente humana da comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes. Por isso diz-se que a linguagem também é Mythos [do grego Mythos], no sentido de que os homens, mediante palavras, conseguem organizar a realidade e interpretá-la. Esse acontecimento é algo fantástico que coloca a criatura humana no centro do universo. Tem o ser humano a palavra.

Desde os primórdios a palavra teve muita força e poder entre os homens. O Direito Romano, por exemplo, na sua origem, não era um código de normas legais. Direito era um ato solene no qual o juiz pronunciava uma fórmula na qual duas partes, em conflito, solucionavam a lide. Direito era uma linguagem solene de fórmulas conhecidas pelo árbitro, e reconhecidas pelas partes conflitantes em juízo. Era um juramento pronunciado pelo juiz e acatado pelas partes. Por isso, modernamente, vigora em muitas comunidades o valor da palavra. Para muitas pessoas dar sua palavra representa dar sua vida, sua consciência, sua honra, assumindo, assim, compromisso que só poderá ser desfeito com a morte ou com anuência da outra parte.

Quanto à dimensão da Linguagem, os gregos conheciam duas palavras para se referirem à palavra e à linguagem: mythos e logos. Logos, para os gregos, é síntese de três conceitos: fala (palavra), pensamento (idéia) e realidade (ser). Logos é a palavra racional identificadora do conhecimento do real. É discurso (ou seja, argumento e prova), pensamento (ou seja, raciocínio e demonstração) e realidade (ou seja, os nexos e ligações universais e necessários entre os seres).

No mundo em que se vive, hoje, a palavra está totalmente desacralizada, desvalorizada, banalizada. No Brasil, muitas vezes, as palavras são apelidadas de blá, blá, blá, isso porque as pessoas têm pouco apreço a elas. Esquecem, muitas vezes, que a palavra é veiculo da comunicação humana: o que nós somos transmitimos, entramos em comunhão=comum união, nossa vida. Através da palavra nosso ser penetra no ser de outra pessoa. Assim, o hálito, o vento, o suspiro, o espírito, o ruá em hebraico, emana do nosso soma corpo, da nossa alma, do nosso eu, atinge o tu, o transforma em outra criatura e os dois crescem, se identificam. Podem ficar um: vivem ou definham e morrem juntos, por causa da palavra, que é espada de dois gumes: ela cria vida, ou fere até a morte.

Conclui-se dizendo que existem palavras-arma, que atiram e machucam, podem até matar. Não pessoas, sentimentos. Palavras-agulha, o que elas injetam faz efeitos diferentes em cada um… Ou não fazem efeito algum. Palavras-bálsamo, se ditas na hora certa aliviam a dor. Palavras-chiclete, ficam marcadas, grudadas, para sempre. Palavras-felpa, nunca se conseguem extraí-las por inteiro… Palavras-chave, que abrem qualquer porta. São as mais perigosas, nunca se sabe o que vai encontrar. Pode ser um trem, que te atropela, um jardim, ou um local de acesso restrito. Palavras-borboleta, que voam. Palavras-pernilongo, zumbem no ouvido e não se sabe de onde vêm… E, meu Deus, palavras-tumor, se retiradas a tempo não matam. As palavras nunca são somente palavras. Elas traduzem aquilo que cada pessoa é e o que tem. São tudo na vida. Logo, é preciso cuidar e valorizar as palavras.

 DICAS DE GRAMÁTICA

 Senão é o mesmo que se não?

– Nada disso. Em primeiro lugar é interessante saber o que querem dizer e como se usam os termos senão e se não.

SENÃO  – Conjunção adversativa e preposição, com o sentido de:

1 – do contrário, caso contrário, de outro modo, de outra forma;

2 – mas, mas sim;

3 – mais do que;

4 – a não ser.

Exemplos:

Um espaço cultural deve estar a serviço da qualidade, senão é desserviço. [do contrário]

É ele quem decide as obras prioritárias, não com bairrismos ou individualismos, senão com o espírito de bom administrador. [mas sim]

Para que Paulo se conformasse com a ruptura, disse que ele não fora senão um zero à esquerda todos aqueles anos. [mais do que]

As drogas não oferecem senão uma tênue e fugaz visão do paraíso. [a não ser, mais do que]

SE NÃO – Aqui são duas palavras distintas: conjunção subordinativa condicional se + o advérbio de negação não. Significa dizer “caso não …”.

Exemplos:

Espero que não me culpes se não der certo.

Preocupa-nos o desempenho da instituição se não for feito o desembolso dos recursos prometidos.

Também se escreve separadamente quando equivalente a quando não:

A história nos ensina que é muito difícil, se não impossível, encontrar um bom político que seja um bom administrador.

Com esta máquina, o Brasil terá condições, se não de disputar, pelo menos de acompanhar o desenvolvimento de um dos setores mais avançados da ciência no mundo.


Luísa Galvão Lessa  colunaletras@yahoo.com.br

Luísa Galvão Lessa – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá. Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Membro da Academia Brasileira de Filologia. Membro da Academia Acreana de Letras.

 

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Luísa Lessa: Luísa Galvão Lessa Karlberg é pós-doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montréal, Canadá; doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); membro da Academia Brasileira de Filologia; presidente da Academia Acreana de Letras; membro perene da IWA. Email: lessaluisa@yahoo.com.br