O texto faz uma reflexão sobre a tipologia das línguas do mundo. Muitos estudos apontam uma divisão ou classificação entre as línguas, separando-as em isolantes, aglutinantes e flexivas. Esses estudos tiveram início com Adam Smith (1761) e se desenvolveram a partir do século XIX, sobretudo na Alemanha, por meio dos irmãos Freidrich e August Schlegel. Eles, baseados na comparação estrutural entre línguas (Lyons, 1979), definem tipos e classificam uma língua como se ela pertencesse apenas a um único tipo. Esses estudos podem ser identificados como classificação tipológica das línguas. E essa classificação procura descrever vários tipos linguísticos encontrados entre as línguas, a partir de um único parâmetro gramatical.
Na avaliação do linguista romeno Eugênio Coseriu, trata-se de uma “distinção tipológica de validade geral”. A partir de então lhe foi possível fazer as dicotomias “línguas sintáticas” e “línguas morfológicas”, “línguas paradigmáticas” e “línguas sintagmáticas” que, em última instância, não passam da distinção entre línguas antigas (como o Grego, o Latim e o Sânscrito) e aquelas modernas da Europa (Francês, Inglês, Espanhol, Italiano, Português etc), tendo a palavra como unidade básica. É essa classificação tripartite de Schlegel que dá origem à formulação da classificação morfológica “clássica” de tipos de línguas: isolantes (ou monossilábicas), aglutinantes, flexivas (ou fusionantes) e polissintéticas.
As línguas isolantes não possuem flexão. Essas línguas se traduzem por possuírem um único mofe ou, correspondentemente, em que um único morfema ocorre a realização de um lexema. Por outras palavras, neste tipo de línguas não existem geralmente morfemas presos. O chinês e o vietenamita são os exemplos de línguas analógicas ou isolantes.
As línguas aglutinantes unem afixos comumente invariantes a uma raiz, de tal forma que pode haver vários morfemas facilmente identificáveis em uma palavra. De outra forma, a palavra se compõe de morfes, sendo que cada um representa um morfema, havendo conservação da identidade fonológica dos morfes. Trata-se, portanto, da não correspondência entre morfemas e certos segmentos de palavra. O Turco, o Japonês e o Húngaro são geralmente classificados como aglutinantes.
Nas línguas flexivas os morfemas são representados por afixos. Há, nesse caso, uma dificuldade de identificar precisamente as diferentes partes dos afixos. Como exemplos de línguas flexionais mencionam-se o Russo, o Latim e o Grego antigo. Na frase latina Puellam bellam amo (‘Eu amo a bela garota’), a terminação –am, no nome e no adjetivo, marca feminino, singular e acusativo e a terminação –o do verbo refere-se à primeira pessoa do singular, sujeito e presente do indicativo. As palavras latinas não podem ser segmentadas em morfes, senão de forma arbitrária, e isso é o que diferencia as línguas flexivas das aglutinantes. Não se trata de uma diferença de estrutura gramatical entre línguas “flexivas” e “aglutinantes”, mas do modo como são representadas as unidades gramaticais mínimas, seja fonológica ou graficamente. Juntos esses dois tipos de língua compõem o grupo das “inflexivas”, no dizer de Lyons (1979).
São polissintéticas (ou incorporântes) as línguas que fazem grande uso de afixos e freqüentemente incorporam o que outras línguas expressariam por meio de nomes e advérbios a elementos que se assemelham a verbos. São identificadas como polissintéticas a língua Inuktitut (Irlanda) e algumas línguas indígenas americanas.
O linguista Edward Sapir (1921) revisou a tipologia morfológica do século XIX e dividiu as propriedades morfológicas em dois parâmetros independentes, chegando a três tipos de línguas em termos do número de morfemas: analíticas (um morfema por palavra), sintéticas (um pequeno número de morfemas por palavras) e polissintéticas (um grande número de morfemas, particularmente muitas raízes, por palavra) Distinguiu quatro tipos em termos da alteração dos morfemas: isolante (sem afixação), aglutinante (simples afixação), fusional (alterações morfofonêmicas consideráveis) e simbólica (supletiva). Trata-se, na verdade, de um refinamento do que havia sido feito anteriormente, resultando numa complexa tipologia das línguas que possibilita mostrar como elas expressam diferentes tipos de conceitos: “concretos”, “derivacionais” e puramente relacionais.
O Latim é uma língua sintética. Sua sintaxe pertence ao grupo das línguas de declinação. E difere da sintaxe do Português, língua analítica. A função sintática dos nomes no Português é indicada, geralmente, pela posição (rígida) que o nome ocupa na frase ou por uma preposição. No Latim isso acontece de forma inversa: Os romanos mataram os inimigos na luta. (sujeito + verbo + objeto direito + adjunto adverbial). As terminações nominais variam apenas em gênero e número. A posição dos sintagmas é que determina sua função sintática. É diferente dizer Os inimigos mataram os romanos na luta.
Importante para nós, que estudamos as línguas do mundo, é compreender que cada língua reflete o caráter de uma nação, na expressão do seu pensamento e sua arte. Uma língua nasce da sintonia mental de cada povo e suas idiossincrasias. Logo, cada língua reflete a cultura de seus falantes.
DICAS DE GRAMÁTICA
HAJA VISTA ou HAJA VISTO?
A primeira. “Haja vista” é expressão verbal perifrástica, isto é, desenvolvida, que equivale à forma sintética veja. O elemento “haja” é flexão do verbo haver na terceira pessoa do imperativo afirmativo e “vista” não pode ser substituído por “visto“, pois se refere a vista mesmo, com o sentido de “olho”. Tal expressão deve, portanto, ser empregada de forma invariável e tem como objeto direto às palavras que a seguem. Assim, temos “O povo brasileiro cansou-se do atual modelo econômico, haja vista o resultado das eleições de 2006” e “A inflação não está sob total controle, haja vista as contínuas elevações dos preços em energia e combustíveis“.
PERDA ou PERCA?
As duas, cada uma com seu sentido. Elas são palavras parônimas e costumam ser indevidamente empregadas uma pela outra. Entretanto, se estivermos atentos para seus significados, não há razão para as confundirmos. Vejamos:
Perda – Substantivo que significa “privação de alguém ou de alguma coisa que se possuía”, como em “Houve perda de receita no último ano” e “Mário entristeceu-se com a perda do amigo”.
Perca – Flexão do verbo “perder” na primeira e terceira pessoas do singular do presente do subjuntivo e primeira e terceira pessoas do singular do imperativo: “Você quer que eu perca a partida, não é?” e “Não perca a esperança”.
São, pois, incorretas frases como “Não desejo que ele perda a fortuna” (correto: perca) e “Isso é perca de tempo” (correto: perda).
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Luísa Galvão Lessa Karlberg – É Pós-Doutora em Lexicologia e Lexicografia pela Université de Montreal, Canadá; Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Membro da Academia Brasileira de Filologia e Presidente da Academia Acreana de Letras.