No decurso da minha infância, no município de Xapuri, era comum, durante os jogos de futebol realizados logo após a saída da escola, que próximo ao final da peleja algum participante mais afoito decretasse: “a partir de agora, serão dez minutos de macaca”. A frase soava de maneira pavorosa em meus ouvidos, pois sabia que, a partir daquele momento, as mínimas regras que evitavam agressões mais contundentes entre os times adversários seriam desconsideradas, passando a valer a máxima de que “do pescoço para baixo, tudo era canela”.
A exposição destas memórias pareceu-me adequado para fazer construções sobre o atual momento de crise em que passa o país, bem como a forma como a temática é discutida no Acre, onde, literalmente, parece ter sido decretado dez minutos de “macaca”. Neste contexto, considerando que “do pescoço pra baixo, virou canela”, as agressões substituem qualquer tipo de debate efetivo e com o mínimo de profundidade, consolidando-se o apego a factoides, expressões pejorativas e ofensas.
Engana-se, no entanto, os que pensam que restrinjo minhas observações a comentários postados em redes sociais. Não, o movimento, aqui denominado como “macaca”, aparece com frequência em espaços institucionais. Em alguns casos são, inclusive, repercutidos em setores da imprensa, ou coisa que valha. Dialoguemos com alguns exemplos. Na Assembleia Legislativa um deputado, durante seu discurso, classificou a presidenta Dilma Rousseff, por quem não morro de amores e tenho críticas à sua administração, como “ladra de banco”. A afirmação foi feita, ao que parece, sem que o dito tenha a mínima compreensão do contexto histórico brasileiro no decurso dos anos de 1970, período de recrudescimento da ditadura militar. Talvez tivesse sido de maior valia, se tivesse utilizado a pomposa verba de gabinete que recebe, por exemplo, para contratar estudos sobre a gigantesca carga tributária brasileira e a péssima qualidade dos serviços oferecidos à população, é possível, no entanto, que o tema não fosse de seu interesse.
Na mesma direção, um dirigente do PMDB sugeriu que a presidenta Dilma fosse recebida com “peidos”. O assunto, por incrível que pareça, virou manchete e foi repercutido. Bom, talvez para o citado, “peidos” sejam mais importantes do que contestar o corte de verbas das Universidades públicas, sabe-se lá.
A última pérola foi a postagem de uma deputada estadual, alertando a população para a possibilidade de o governo doar casas para haitianos. Casas construídas com recursos públicos. A denúncia foi construída utilizando-se o método dedutivo, ou, talvez, a “lógica formal aristotélica”. Observe: haitianos não têm casa própria. Haitianos foram a um local onde estão distribuindo casa própria, logo, haitianos vão receber casa própria. Obviamente isto é uma ironia.
Se ocorrem exageros por parte da oposição, o que dizer dos partidários do governo. Para eles, todo e qualquer tipo de contestação parte de uma “elite branca milionária golpista”, cujo único interesse é entregar o país para o capital estrangeiro. Mas, espere, as medidas que estão sendo anunciadas como “ajuste fiscal”, não são totalmente voltadas para agradar o mercado, onde estão os especuladores e milionários? Ou estou enganado? Afinal, aumentar a taxa de juros, promover arrocho salarial, cortar direitos trabalhistas, a duras penas conquistados, não fazem parte do chamado pacote “neoliberal” que, tempos atrás, era contestado por quem aplica?
Completam a ladainha expressões que objetivam caracterizar o “outro” de forma assertiva e arrogante. Assim, se alguém reclamar dos preços da gasolina, dos alimentos, da energia, transforma-se, rapidamente, em um “coxinha” insensível, que não se importa com a fome dos mais pobres, um partidário do Partido da Imprensa Golpista (PIG), outra expressão que consta no dicionário de antigos e neo militantes, a maioria, comissionados.
Enquanto digladiam-se, passa ao esmo a possibilidade de realização de debates efetivos sobre problemas que afligem o Brasil e o Acre. Por exemplo: até o ano de 2016, os municípios terão que universalizar a oferta da educação infantil, para crianças de 4 a 5 anos. Por acaso, alguém, principalmente os representantes políticos, já se preocuparam em analisar os indicadores do Acre, para saber se tal meta será cumprida? Não teriam os agentes públicos interesse em saber se o comportamento do Rio Acre, no ano de 2015, foi uma “fatalidade” ou constitui-se em uma tendência, resultante de processos de desmatamentos, assoreamentos e mudanças climáticas? Não pensam vossas senhorias em dialogarem com tão importante temática? Ou tocar neste assunto é coisa de quem quer “desviar o foco da crise”, como diria a oposição, ou “conversa de coxinha” que não reconhece “o enorme esforço do poder público para alojar desabrigados com dignidade”, como diriam os governistas.
Penso que os protagonistas que travam debates com o conteúdo anteriormente mencionado, não demonstram outra preocupação que não o poder. No caso, permanência ou acesso. Em meio as trocas de acusações, ofensas e agressões “do pescoço para baixo”, em uma autêntica “macaca”, encontra-se a população, lutando por dias melhores. Só é necessário, no entanto, observar que, citando o Barão de Itararé: “de onde menos se espera, é que não sai nada mesmo”.
* Sérgio Souza